Folha de S. Paulo


Depoimento: Artista versátil, batalhou para legitimar nossa cultura popular

Conheci Ariano em 1970, quando fui convidado por ele a integrar o Quinteto Armorial, grupo musical que criou. Esse fato foi decisivo na minha maneira de fazer arte, entender cultura e ver o mundo.

Minha ligação com ele foi imensamente frutífera em vários sentidos. Convivemos quase que cotidianamente até o fim do grupo, em 1980. Musiquei alguns de seus poemas, representei o personagem Joaquim Simão em uma versão que a TV Globo realizou de sua peça "Farsa da Boa Preguiça".

A proposta de Ariano com o Quinteto Armorial era criar uma música de câmara erudita com raízes populares, fazer uma síntese entre o mundo erudito e as tradições populares do Nordeste.

Ele não era propriamente músico, não tocava conosco, mas era muito intuitivo. Nos levava para conhecer cantadores e as manifestações populares. Era uma espécie de mentor do grupo.

Nas nossas apresentações, Ariano fazia um breve discurso antes de cada música, falava da composição, do estilo, dos instrumentos. E também contava muitas histórias, era uma narrador fabuloso. Dava a nossas apresentações um caráter mais teatral.

O quinteto gravou quatro discos. Nossas composições usavam como ponto de partida o ritmo, a melodia, o fraseado populares, tudo isso recriado a partir de uma técnica baseada na alta cultura.

O maior legado de Ariano foi legitimar, criar uma ideologia de afirmação da cultura popular. Concretizou isso em vários campos artísticos: música, teatro, literatura, artes plásticas. Foi o grande ideólogo cultural brasileiro.

Ariano abriu as portas para que eu adentrasse nesse universo incrivelmente rico. Até então pouco conhecia da cultural local de Recife, do frevo, do maracatu.

Isso influenciou todo o meu trabalho futuro. Construí dois espetáculos, "Brincante" e "Segundas Histórias", nos quais criei um personagem chamado Tonheta, parente do João Grilo.

Ariano teve, continuará tendo, um papel absolutamente imprescindível, vital, no país. Exalava uma paixão visceral pela povo e pela cultura brasileira, só comparável a de Mário de Andrade e Darcy Ribeiro.

ANTONIO NÓBREGA é multi-instrumentista e dançarino

Fernando Mola/Editoria de arte/Folhapress

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