No livro que o fotógrafo Gustavo Lacerda lança no próximo dia 31, a pele, os cabelos e os cílios dos retratados são quase invisíveis.
No ensaio "Albinos", selecionado pela Coleção Pirelli/Masp em 2010 e vencedor dos principais prêmios de fotografia do país, o cenário das imagens e as roupas, em tons claros e delicados, funcionam como transparências.
Durante cinco anos, o mineiro fotografou cerca de 50 adultos e crianças brasileiros com albinismo, distúrbio genético que causa falta de pigmentação na pele.
"Por causa da fotofobia e dos cuidados com a pele, os albinos tendem a se preservar e a se esconder", diz Lacerda, 44. "Queria fotografar quem não é fotografado."
Em diferentes regiões do Brasil, os personagens posaram com figurinos propostos pelo fotógrafo, que abandonou o viés documental do início do projeto.
Ao perceber como os albinos reagiam à preparação para os retratos, ele diz ter encontrado a tensão necessária para construir sua estética.
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"Eles jamais tinham sido escolhidos para nada que não fosse serem zoados. De repente, alguém os seleciona para uma foto, em um estúdio, com roupas à disposição, com aquele ritual de se olhar no espelho antes", conta.
Além da mise-en-scène, Lacerda também se preocupou com os flashes. Para evitar irritação, ele usou uma fonte de luz muito grande e recriou a luminosidade de um dia nublado.
"Percebi que quando o clima está assim, eles ficam incomodados no início, mas depois se acostumam. É menos irritante do que dia de sol."
Um dos fotografados no ensaio, o professor de inglês e literatura Roberto Biscaro foi o primeiro contato de Lacerda com o mundo albino, para encontrar modelos. Autor do blog "Albino Incoerente", Biscaro se tornou referência em notícias sobre o tema.
Para o paulistano Biscaro, 47, o mérito do trabalho do artista é "olhar o diferente como portador de beleza, sem estigmatizá-lo". Ele acrescenta, brincando:"Ainda mais em um país tropical que preza tanto pelo bronzeado".
Tanto ele quanto a economista carioca Ana Beatriz Vassimon, mãe das gêmeas Helena e Mariana, retratadas, percebem distância entre o ensaio de Lacerda e trabalhos que exploram a condição dos retratados como exotismo.
"Pessoas querem fotografar as meninas e colocar elementos coloridos nelas. O Gustavo é o contrário, não tem nada de espetacularização, é uma forma sensível e lírica", defende a mãe das gêmeas.
O fotógrafo conta que, por medo da exposição, algumas pessoas se recusaram a participar, no início. Mas, depois que o ensaio se tornou mais conhecido, voltaram atrás. "Muitos vão achar um trabalho poético, outros vão achar que é uma forma de explorar os albinos. Ainda que tenha esse risco, eles estão sendo mostrados", afirma.
Desde o nascimento das filhas, Vassimon escreve textos relatando sua experiência com a descoberta do albinismo. Um deles está reproduzido em formato de carta dentro do livro (leia ao lado).
O projeto gráfico do volume incluiu folhas de papel-manteiga entre as fotos para remeter à textura da pele e revelar e esconder as imagens.
O próprio Lacerda financiou grande parte da produção. Para reduzir os custos, pretende vender 50 livros-objeto com impressão especial, embalados em caixa e oferecidos a R$ 650 cada um.
"As pessoas perguntam qual será meu próximo trabalho como se fosse pecado continuar este projeto. Quero seguir fotografando alguns albinos, talvez não como faço hoje, mas acompanhando o crescimento de irmãos."
ALBINOS
AUTOR Gustavo Lacerda
EDITORAS Madalena e Terceiro Nome
QUANTO R$ 90 (72 págs.)
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TRECHO
"Quando peguei as meninas no colo, quentinhas, na sala de parto, vi os cílios claros e na hora pensei que não poderiam ser loiras a ponto de terem cílios quase brancos...
Saquei ali que eram albinas. Elas estavam berrando, eu chorando, derretida de emoção.
No quarto, elas demoraram a vir e eu fiquei muito preocupada... Só falavam sobre a falta de pigmento nos olhos e que deveríamos rastrear o passado e saber se nossas famílias tinham histórico de albinismo.
Eu só lembrava do Hermeto Pascoal, que adoro! Quando começaram a andar, eu sempre avisava quando elas se aproximavam de degraus, imaginando que elas não veriam o desnível do chão.
Realmente, elas não veem tão bem a mudança de nível no piso, mas aprenderam a arrastar sorrateiramente o pé e descobrir, antes mesmo de eu gritar: 'Olha o degrau!'.
(...) A gente vê que a vida pode realmente surpreender."
Carta escrita pela economista carioca Ana Beatriz Vassimon, mãe das gêmeas Helena e Mariana, e publicada no livro "Albinos", de Gustavo Lacerda