O que une o umbigo feminino, uma exposição de Chagall, o câncer, Stálin, Paris e a União Soviética?
Desse aparente "samba do crioulo doido", o escritor tcheco naturalizado francês Milan Kundera, 85, tira um retrato irônico e desiludido do mundo contemporâneo em seu livro mais recente.
"A Festa da Insignificância" chega agora ao Brasil pela Companhia das Letras, em edição de luxo. A primeira tiragen terá 10 mil exemplares (a média nacional de lançamentos fica entre 2.000 e 5.000 livros) em capa dura.
O livro narra a vida, um tanto quanto insólita, de cinco amigos na Paris de hoje, enredados na banalidade cotidiana e num mundanismo desprovido de sentido.
Primeiro romance inédito de Kundera em 14 anos, o livro vem despertando grande expectativa. Na Itália e na França, chegou ao topo das listas dos mais vendidos (mais de 200 mil exemplares nos dois países) e recebeu elogios da crítica.
Efe - 2.mai.2005 | ||
O escritor Milan Kundera, que vive recluso na França |
Kundera, que vive de maneira reclusa, evita exposição na mídia e há mais de uma década não dá entrevistas, mesmo assim é best-seller em vários países.
Sua popularidade começou nos anos 1980, com a publicação de "A Insustentável Leveza do Ser".
Livro |
A Festa Da Insignificância |
Milan Kundera |
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A ciranda amorosa na Praga dos anos 1960, permeada pelo autoritarismo comunista e por conceitos filosóficos complexos (o eterno retorno de Nietzsche) tornou-se um inesperado sucesso popular. Inspirou um filme homônimo indicado a dois Oscar.
Lançado no Brasil em 1984 pela editora Nova Fronteira, permaneceu por meses no primeiro lugar das listas dos mais vendidos.
"A Insustentável" tornou-se o modelo mais conhecido do estilo Kundera, que ele próprio já definiu como "contraponto novelístico": múltiplos personagens; união de filosofia, ficção e sonho; divisão dos enredos em sete partes; críticas ao comunismo e olhar jocoso.
"A combinação da forma frívola e um assunto sério desmascara imediatamente a verdade acerca dos nossos dramas e sua terrível insignificância", disse o autor em 1983 à revista "Paris Review".
Exemplo disso está na abertura do trama. Alain, um dos protagonistas, vaga pelas ruas de Paris observando as moças de umbigo de fora. Ele acredita que a moda inaugurou um novo milênio, marcado pela repetição e pelo fim da individualidade, no qual a sedução feminina se concentra no umbigo.
Ao contrário das coxas, dos seios e da bunda, todos os umbigos são parecidos, diz Alain. A insignificância é a essência da nossa existência, define outro personagem, Ramon.
A crise da cultura ocidental é assunto frequente em Kundera. Em entrevista ao jornal espanhol "El País" reproduzida na Folha em março de 1986, criticou a ânsia pela novidade e a rapidez.
"Ao concentrar-se na atualidade, cria-se um sistema de esquecimento no qual a continuidade cultural se transforma numa série de acontecimentos efêmeros, e a obra de arte se converte num gesto sem futuro."
O tema aparece em obras recentes de relevo (veja ao lado) e é retomado pelo poeta Affonso Romano de Sant'Anna em um ensaio inédito, "As Insignificâncias na Arte Contemporânea".
"A sociedade chamada de 'pós-moderna' cultua o espetáculo, a superficialidade, a cópia, o descartável, a falência do indivíduo. Essa arte gerenciada pelo mercado produz 'insignificâncias' que enchem bienais", diz o poeta.
GENTIL, MAS RIGOROSO
Kundera nasceu na República Tcheca (então Tchecoslováquia) em 1929. Perseguido pelo regime comunista implantado no país após a Segunda Guerra, mudou-se para a França em 1975, onde vive até hoje. Escreve em francês desde 1995.
No Brasil, todos os livros de Kundera foram traduzidos por Teresa Bulhões Carvalho Pinto, que tornou-se íntima do autor. "Ele é muito gentil e engraçado no trato pessoal, mas rigorosíssimo, exige total fidelidade. Quando eu digo que determinada construção não é comum em português, ele responde: 'não tem problema, gosto do insólito'."
A professora e escritora tcheca Markéta Pilátová, atualmente no Mato Grosso do Sul para um projeto de difusão da cultura de seu país, conta que Kundera sempre defendeu um modelo de narrativa claro e direto.
"Acho que essa é a causa de seu grande sucesso em vários países. Kundera trata temas filosóficos complexos com uma prosa simples, elegante, sem empolação. É muito sofisticado, mas não hermético."
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KUNDERA FUNDAMENTAL
Principais livros
"A Brincadeira" (1967)
R$ 29 (352 págs.)
O primeiro romance de Kundera satiriza o totalitarismo. Um estudante escreve um postal ironizando o dogmatismo comunista e é punido com anos de trabalho braçal
"Risíveis Amores" (1969)
R$ 25 (264 págs.)
Reunião de sete contos sobre os mal-entendidos e as mentiras de toda experiência amorosa
"A Valsa dos Adeuses" (1969)
R$ 26,50 (248 págs.)
Esterilidade, adultério, depressão e aborto fazem parte de um enredo intrigante sobre família e amizade
"A Insustentável Leveza do Ser" (1984)
R$ 25 (312 págs.)
Os encontros e desencontros de quatro personagens na conturbada Praga de 1968 são intercalados com reflexões filósoficas sobre o eterno retorno. Sucesso comercial em vários países, inspirou um filme homônimo do diretor Philip Kaufman, em 1988
"A Arte do Romance" (1986)
R$ 25 (160 págs.)
Descreve em profundidade a evolução do romance e seus aspectos centrais, de Cervantes a Proust
"A Lentidão" (1995)
R$ 19 (112 págs.)
Diversos personagens compõem um painel divertido que analisa o ritmo frenético da vida moderna
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A INSIGNIFICÂNCIA NAS ARTES
Obras recentes que tratam do tema
"A Grande Beleza"
O longa do diretor italiano Paolo Sorrentino, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, expõe o vazio da vida mundana e a perda de sentido de uma parcela significativa da arte contemporânea
"As Invasões Bárbaras"
Turma de amigos intelectuais na casa dos 60 anos lamenta a crise cultural da civilização ocidental e o pragmatismo imposto pelo "império americano" neste filme do canadense Denys Arcand, também vencedor do Oscar de filme estrangeiro
"O Bigode / A Colônia de Férias"
R$ 39,90 (264 págs.)
Na primeira história deste livro de Emmanuel Carrère, um homem de meia-idade, cansado da vida monótona, decide raspar o bigode. Para o espanto do protagonista, ninguém percebe a mudança de visual, o que leva o personagem a uma crise de identidade
"O Museu da Inocência"
R$ 63 (568 págs.)
O narrador do romance do Nobel Orhan Pamuk revê sua trajetória e os dramas sociais da Turquia a partir de uma série de objetos banais