Folha de S. Paulo


Corpo da cantora e ativista Vange Leonel é cremado em São Paulo

O corpo da cantora, escritora e ativista LGBT Vange Leonel, 51, foi velado por parentes e amigos no início da tarde desta terça (15) no crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

Vange morreu nesta segunda (14) em decorrência de um câncer no ovário com metástase no peritônio (membrana que recobre os órgãos digestivos). A doença havia sido descoberta há apenas cerca de 20 dias e, há nove, a artista estava internada no hospital Santa Isabel, em Santa Cecília, região central da cidade.

A cerimônia de despedida, sem caráter religioso, foi marcada por discursos emocionados e informais. Com o microfone à disposição, familiares e amigos contaram episódios de sua convivência com Vange, que foi comparada a Joana D'Arc, pela morte precoce e pelo ativismo.

"Ela foi uma das primeiras a romper com toda a hipocrisia da sociedade", disse a amiga e jornalista Marli Gonçalves.

Também entre os que discursaram, a cantora gaúcha Laura Finocchiaro se emocionou ao lembrar que o início de sua carreira em São Paulo foi amparado pela amiga, que financiou a gravação de suas primeiras músicas.

Após as falas, o corpo, velado em caixão aberto e coberto com flores brancas, foi descido para o setor de cremação ao som da música "Vida, Vida, Vida".

"Tento não perder de vista/ Mas parece que não sou capaz/ Onde vai com tanta pressa/ A vida que de mim sai/ A vida vai", canta Vange na música, composta em parceria com a jornalista Cilmara Bedaque, com quem estava casada havia 28 anos. A canção tem também versos da poeta Ana Cristina Cesar.

Ao fim da faixa, enquanto o caixão descia, os convidados que lotavam a sala aplaudiram de pé, como no final de um show.

O funeral teve presença também do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e da atriz Marisa Orth.

Marisa foi colega de escola da cantora e acompanhou o início de sua carreira musical —primeiro, no grupo de reggae Os Camarões, ao lado de Nando Reis, primo de Vange, e, depois, na banda new wave Fix Pa.

"A Fix Pa deu origem à banda Luni, onde eu comecei cantando", lembra Marisa. "A Vange era muito competente em tudo que fazia, extremamente inteligente, extremamente autêntica."

CARREIRA

Como cantora, Vange gravou dois álbuns solo, "Vange" (1991), produzido por Nando, seu primo, e "Vermelho" (1995). Antes, foi vocalista da banda de rock Nau.

Com o primeiro disco solo, emplacou a música "Noite Preta" na abertura da novela "Vamp", na Globo, em 1991, e, no ano seguinte, recebeu o Prêmio Sharp de Música como "cantora revelação de pop/rock".

"Ela largou a carreira de cantora porque não gostava de viajar. Não gostava da vida de popstar, da zueira. Na sua caverna, Vange preferia escrever", disse à Folha Cilmara, que era também sua parceira artística.

Atualmente, ambas escreviam sobre cervejas artesanais no blog "Lupulinas", no site da revista "Carta Capital".

"O legado da Vange é enorme. Ela foi uma pioneira. Aos 16 anos, já estava envolvida em ativismo feminista e lésbico. É um legado que fica nas peças e nos livros dela", avalia Cilmara.

Na "Revista da Folha", Vange foi responsável por uma coluna de temática GLS de 2001 a 2010. Ela também foi colunista da revista especializada "Sui Generis", entre outras publicações.

Vange foi autora dos livros "Lésbicas" (1999), "Grrrls: Garotas Iradas" (2001), "As Sereias da Rive Gauche" (2002) e "Balada para as Meninas Perdidas" (2003).

No teatro, em 2000, estreou "As Sereias de Rive Gauche", com direção de Regina Galdino, e, em 2006, "Joana Evangelista" foi encenada pelo grupo Os Satyros.


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