Folha de S. Paulo


Nascimento de Pablo Neruda é celebrado, e morte, investigada

Enquanto a morte do poeta Pablo Neruda, em 1973, segue envolta numa nuvem de mistério, o nascimento do prêmio Nobel, em 1904, será celebrado neste sábado (12) em Santiago, no Chile, de três formas distintas.

Festejando seu legado como ícone, a Fundação Pablo Neruda, que cuida do acervo material e da obra do poeta, programou para sexta-feira (11) a caminhada de um holograma do autor de "Canto Geral" pelas ruas da capital.

Já sua faceta política, a do comunista engajado que foi toda a vida, será celebrada em ato do PC chileno.

Por fim, o aspecto poético e humano de sua herança é lembrado numa leitura de poemas na casa de Isla Negra, onde ele viveu e permaneceu enterrado até sua recente exumação.

Ria Novosti/AFP
O poeta e diplomata chileno Pablo Neruda, aos 60 anos, posando para retrato em 1965
O poeta e diplomata chileno Pablo Neruda, aos 60 anos, posando para retrato em 1965

"Buscamos integrá-lo à cidade, fazendo-o dialogar com escritores chilenos jovens. Além do holograma, haverá uma instalação com poesias de Neruda num trem do metrô", conta Fernando Sáez, diretor da fundação.

Além do jogo lúdico, a instituição cuida da exibição dos manuscritos de 20 poemas inéditos recém encontrados pela entidade. Escritos à mão, com a tinta verde que o poeta acreditava simbolizar a esperança, os textos serão expostos ao público enquanto se prepara a sua publicação, ainda neste ano.

Um dos familiares que estarão presentes na leitura dos poemas em Isla Negra, o sobrinho Rodolfo Reyes reforça que as investigações sobre a morte do poeta prosseguem.

"Há muitas perguntas por responder. A primeira perícia realizada em seus restos aponta que ele tinha câncer de próstata. Mas isso não é conclusivo", diz.

"Montou-se, então, uma nova comissão de médicos e cientistas, afinal, esta não é uma doença tão letal no estágio em que estava. Ainda é preciso esclarecer a identidade do médico que teria estado com ele nas últimas horas, isso misteriosamente desapareceu dos registros", conta Reyes à Folha.

A polêmica sobre a morte de Neruda renasceu em 2011, quando o ex-chofer do escritor, Manuel Araya, deu uma entrevista dizendo que o poeta gozava de bom estado de saúde na semana em que morreu.

Parte da família sustenta que ele foi envenenado pelos médicos da clínica Santa María, local onde depois ocorreriam outras mortes suspeitas de opositores ao regime militar chileno.

Além de esquerdista convicto, Neruda era próximo de Salvador Allende (1908-1973) e, após o golpe que o derrubou, em 11 de setembro de 1973, planejava ir ao México.

Segundo os que defendem a hipótese de um assassinato, o general Pinochet (1915-2006) temia que o poeta se transformasse numa voz contra o regime no exterior.

Para o jornalista Mario Amorós, autor do livro "Sombras sobre Isla Negra", que reúne evidências apontando para a possibilidade de assassinato, ainda há muito por investigar.

"A exumação apenas indica o que já sabíamos, que ele estava doente. O resto dos acontecimentos a Justiça deve esclarecer."

Está previsto que, até o fim do ano, o juiz Mario Carroza tenha um veredicto. Segundo fontes policiais, aguarda-se uma avaliação dos restos mortais do autor realizada no exterior.

CHILE HOJE

Para Sáez, é necessário celebrar Neruda como algo vivo na cena cultural chilena. "Ele ainda é muito lido e os museus dedicados a ele, muito visitados. Só não creio que ele estaria feliz com o que o Chile é hoje", diz.

"Ainda não nos recuperamos do imenso trauma que foi o período da ditadura. Pablo ficaria triste ao ver como caminhamos marcados por isso até hoje", conclui.


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