Folha de S. Paulo


Viúva de Ian Curtis, do Joy Division, revê seu lado familiar em livro

Como na tradição dos dramas juvenis, Ian Curtis (1956-1980), o vocalista e letrista do Joy Division, não teve tempo de envelhecer. Ele se enforcou em casa aos 23 anos, às vésperas da turnê que levaria o grupo aos Estados Unidos, no varal que a mulher usava para secar as roupas do bebê.

Tudo o que aconteceu com ele foi rápido e intenso. Ian gostava de David Bowie, escrevia textos soltos, conheceu os parceiros de banda em Manchester, unidos a partir de um show lendário dos Sex Pistols em 1976, casou jovem, teve uma filha e uma amante e gravou dois clássicos do rock, "Unknown Pleasures" (1979) e "Closer" (1980).

A banda, quase punk, não era como as outras. Ian, um performer imprevisível, mimetizava ataques de epilepsia no palco —isso quando não os tinha de verdade. O resultado era hipnotizante.

Divulgação
O vocalista da banda Joy Division, Ian Curtis (1956-1980)
O vocalista da banda Joy Division, Ian Curtis (1956-1980)

Sua voz grave e cavernosa, de uma pessoa bem mais velha e curtida, interpretava letras poéticas e depressivas, às quais ninguém prestava muita atenção. Nem mesmo a banda, conforme está escrito nas memórias daquele tempo evocadas pela viúva, Deborah Curtis, que resolveu colocá-las no papel 15 anos depois da morte do marido.

São lembranças domésticas, mais do que musicais. Ela centraliza suas observações ternas e realistas no Ian que lutava para sustentar a família e alcançar o estrelato.

Livro
Tocando a Distância
Deborah Curtis
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Deborah esteve ligada à produção de "Control" (2007), filme de Anton Corbijn baseado no livro, mas foi uma experiência difícil, não só porque falava da relação do cantor com a belga Annik Honoré (morta no último dia 3 de julho, aos 56 anos, e a quem ele teria dedicado o grande sucesso da banda, "Love Will Tear Us Apart").

"É um grande filme, com uma trilha sonora incrível, mas eu achei o processo todo muito difícil. Eu não imaginava o quanto seria estranho nos ver na pele dos atores", respondeu Deborah em entrevista à Folha, por e-mail.

Todas as letras de Ian estão impressas no livro, mas o fã do Joy Division irá encarar uma história que fala muito mais de roupa suja lavada em casa do que de música.

Pois o livro é bom mesmo assim, mais interessante e menos indulgente, por exemplo, do que a barroca autobiografia de Morrissey, o cantor de outra banda de Manchester, The Smiths.

Ian Curtis e o Joy Division foram descobertos e redescobertos pelo grande público ao longo dos anos, e isso dura até hoje. "Ian ainda é um ídolo porque representa a vulnerabilidade e a paixão que estão associadas à juventude", diz Deborah.

No próximo 15 de julho, data da sua morte, muita gente ainda estará ouvindo Ian Curtis e o Joy Division. Menos Deborah Curtis.

"Eu não preciso ouvir. Tem dias em que escuto o Joy Division na minha cabeça."

CADÃO VOLPATO é autor de "Pessoas que Passam pelos Sonhos"(Cosac Naify).

TOCANDO A DISTÂNCIA - IAN CURTIS E JOY DIVISION
AUTORA Deborah Curtis
TRADUÇÃO José Julio do Espírito Santo
EDITORA Edições Ideal
QUANTO R$ 59,90 (328 págs.)


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