Folha de S. Paulo


'O butô diz respeito à capacidade de se reinventar', diz Denise Stoklos

A atriz, escritora e diretora paranaense Denise Stoklos, 63, que criou o método do "teatro essencial" (o mínimo de recursos para máximo de teatralidade), frequentou aulas de butô e deu curso sobre seu próprio método no estúdio de uma discípula de Tasumi Hijikata e Kazuo Ohno, Natsu Nakajima. Leia o depoimento da atriz sobre o estilo de dança nascido no Japão.

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"Em 1993 Natsu Nakajima ofereceu o privilégio de sua presença em uma de minhas apresentações no La Mama em Nova York, quando me convidou para que me apresentasse em seu estúdio em Tóquio e ali mesmo fizesse uma "master class" sobre meu "teatro essencial" para seus contemporâneos, diretores que como ela mantinham suas companhias de butô.

Natsu foi discípula de Tasumi Hijikata e de Kazuo Ohno. Neste mês de julho, ela está se apresentando com sua companhia de dança Muteki-Sha na Inglaterra onde também desenvolve seus workshops, do alto de sua experiência aos 70 anos de idade.

O butô diz respeito à sua gênesis, que se refere à resistência do ser humano, sua capacidade de se reinventar, pois nasceu da experiência de destruição um país inteiro (o bombardeio nuclear no Japão em 1945).

Tudo o que diga respeito a sobrevivência, renascimento, resistência e, principalmente, à expressão de luta pela afirmação da humanidade, nos leva a esse estilo de dança/teatro/poesia corporal.

O lado escuro, o sofrimento instalado em um povo, a "dor grupal", é a parte que caracteriza o butô.

Pessoalmente, após ter frequentado algumas aulas desta técnica, desta "visão de mundo por um corpo atormentado" não só me deslumbrei e rendi homenagens pela sua radicalidade, como me transformei não em praticante, mas em mais uma participante do público deslumbrado, apreciador, encantado das performances que pude ver mundo afora, e muitas de Kazuo Ohno aqui mesmo no Brasil.

Como espectadora, o butô me contamina e indica caminho a cada nova resistência e expressão de renascimento, de uma forma ou de outra–como a que me deparo com meu novo encontro com o magistério agora de minha própria matéria, as premissas do "teatro essencial" - um teatro que não conheceu o terror nuclear, mas elabora as opressões sociais que conduziram o povo brasileiro à miséria e à indignidade da diferença de classes, racismo, exclusão e tantos etcéteras

Que sejamos todos pequenas contribuições como parte do coro dos princípios valiosos, bravios e de sensibilidade corajosa que há em cada gesto que compõe esta anárquica e subvertedora força corporal aclamada com o nome de butô."


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