Folha de S. Paulo


Crítica: 'The Leftovers' interessa mais por personagens do que por mistérios

Escolado pela má reação ao final de "Lost", o produtor Damon Lindelof tem usado entrevistas para alertar espectadores de sua nova "The Leftovers", série sobre o desaparecimento sumário de 2% da população da Terra e o tormento de quem ficou, os "leftovers" do título: "Melhor se ater menos ao mistério e mais aos personagens".

A julgar pelo primeiro dos dez episódios, exibido no último domingo (29) pela HBO, ele tem razão.

Como em "Lost", há um enigma instigante, um confronto entre quem crê e quem racionaliza e a reavaliação da vida diante de algo abrupto e inexplicável, além de um quê sobrenatural. Tudo em um cenário à primeira vista verossímil, uma cidadezinha abastada no norte dos EUA.

A premissa da série, baseada no livro homônimo de Tom Perrota (2011), é se os desaparecidos teriam sido alvo do "arrebatamento" esperado por algumas denominações cristãs, quando Jesus levaria os verdadeiramente crentes.

Paul Schiraldi/Associates Press
Atores Christopher Eccleston e Carrie Coon em cena da série 'The Leftovers'
Atores Christopher Eccleston e Carrie Coon em cena da série 'The Leftovers'

Na trama, os desaparecidos são tão díspares quanto o escritor Salman Rushdie, a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice, a cantora Jennifer Lopez e o papa Bento 16.

Mais interessantes do que a repetitiva busca por respostas e a profusão de símbolos -alguém precisa avisar os produtores de TV para dar um tempo com alces e cervos, por favor-, porém, são mesmo os personagens.

Há o delegado vivido por Justin Theroux, cheio de ecos dos personagens de David Lynch, com sua filha-problema (Margaret Qualley), seu filho crente (Chris Zylka) e a mulher (Amy Brenneman) que o trocou por um culto no qual todos se vestem de branco e fumam para professar fé.

Há o homem que caça cães raivosos e sacou tudo antes (Michael Gaston). Há uma noiva com dúvidas (Liv Tyler). Há a mãe que após perder marido e filhos adota a identidade de vítima em tempo integral (Carrie Coon), e, claro, há um pastor em crise e um guru.

Mistérios à parte, os diretores encheram o primeiro episódio de referências concretas ao pós-11 de Setembro, aquele outro evento repentino que deixou os americanos vagando sem respostas por anos e cujo aniversário é lembrado exaustivamente, muitas vezes para desespero de quem perdeu alguém.

Se enveredar por aí, questionando o fanatismo, explorando a angústia e presa a perturbações do mundo palpável, "The Leftovers" pode ser bem-sucedida.

Mas se partir para a espiral de divagações lostinescas ou tentar emular os simbolismos de Lynch com o cuidado apenas de trocar uma trilha sonora sinistra por uma melancólica, será melhor rever "True Detective".

NA TV
The Leftovers
Exibição da série
QUANDO aos domingos, 23h, HBO
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO bom


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