Folha de S. Paulo


Projeto da agência Magnum com brasileiros documenta o país na Copa

A volúpia da brasileira e a imagem de país cordial estão meio fora de foco. O clichê das favelas permanece, mas o fetiche da hora, para fotógrafos no Brasil, são os protestos durante a Copa.

As manifestações são frequentes nos ensaios dos oito artistas e dois coletivos de quatro países reunidos no projeto "Offside Brazil" liderado pela agência Magnum.

Pela primeira vez, a mais importante cooperativa internacional de fotógrafos faz intercâmbio com brasileiros.

Criada pelo húngaro Robert Capa (1913-1954) e o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), a agência selecionou seis nomes do Brasil para formar um "documento fotográfico do país neste momento de Copa", diz a norte-americana Daria Birang, 41, editora de arte do projeto.

O site offsidebrazil.tumblr.com e a página da ESPN internacional são alimentados diariamente com as imagens.

Até o fim da Copa, o italiano Alex Majoli, o norueguês Jonas Bendiksen e os americanos David Alan Harvey e Susan Meiselas trabalharão com os coletivos Mídia Ninja e Garapa mais os fotógrafos Pio Figueiroa, Breno Rotatori, Barbara Wagner e André Vieira.

Cada artista nacional recebe ajuda de custo de 1.500 euros (cerca de R$ 4.500).

"Preferi nomes com um pé no fotojornalismo, mas não claramente fotojornalistas, para criar um ruído", diz Thyago Nogueira, 38, coordenador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles, parceiro do projeto.

Ele diz ter priorizado jovens com linguagem autoral.

O resultado será exibido em uma mostra no Brasil, (ainda sem local definido) que depois segue para Turim, na Itália, e para o Catar.

Divulgação
Manifestante registrada por fotógrafo do coletivo Mídia Ninja em SP
Manifestante registrada por fotógrafo do coletivo Mídia Ninja em SP

JOGO DE CENA

Entre imagens de políticos em pré-campanha e de um melancólico ensaio de escola de samba, os protestos que acontecem paralelamente ao Mundial estão no ensaio do italiano Alex Majoli, 43.

Fotos de black blocs nas ruas, de uma invasão de sem-teto e de um carro depredado numa concessionária parecem encenadas. Segundo ele, a inspiração foi o dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936).

"Todos estão sempre interpretando um papel em suas vidas", conta. "A mim interessa como pessoas reais agem quando percebem que estão sendo fotografadas e se tornam atores."

O norueguês Jonas Bendiksen, 37, também imprime dramaticidade nos vídeos que faz. Editados em câmera lenta, os registros mostram closes de torcedores nas partidas da seleção e crianças jogando futebol numa favela.

Ali, o clichê da pobreza ressurge e a preocupação inicial da curadoria se esvazia.

"Até pensamos em falar que não podia fotografar criança jogando bola. Mas não é função dos curadores impor nada", diz Nogueira.

Em julho, os gringos receberão o reforço dos americanos David Alan Harvey, 70, e Susan Meiselas, 66. Ele retratará jogos de praia, onde diz que as "culturas se misturam". Ela quer documentar a situação de jovens brasileiras.

"O trabalho não pode ser isolado do que acontece. A agência quer essa visão mais social", diz Rafael Vilela, da Mídia Ninja. O coletivo responde pela maior parte das fotos de protestos. Em junho de 2013, o grupo ficou conhecido por registrar e transmitir manifestações em tempo real.

Outro coletivo do "Offside", o Garapa busca histórias ao redor das barreiras criadas pela FIFA dentro e fora dos estádios -como um churrasco de argentinos antes do jogo da sua seleção em Porto Alegre.

Na contramão dos registros de quebra-quebra há as fotos do pernambucano Pio Figueiroa, 39. Seu registro da noite paulistana tem cenas de um homem abordando uma mulher na boate Love Story e personagens do funk ostentação.

"O projeto corre o risco de retratar o país de forma estereotipada, não só pela pressão da cultura da Magnum, como pela urgência de fazer as coisas", diz. "Querem notícia vestida de temas sociais. Pressupõe-se que uma revista vá comprar essas fotos."

Daria Birang, editora do projeto, rebate. "Se um fotógrafo tem um empresário, o empresário tenta vender as imagens. É o que a Magnum tenta fazer. Isso é ruim? Os registros devem ficar apenas para os amantes da fotografia?", ironiza ela.

Para Birang, a agência está produzindo no país o oposto de estereótipos como imagens de mulheres em favelas ou garotos correndo descalços.

Figueiroa, porém, diz que o resultado do projeto acaba sendo positivo pela qualidade do trabalho dos estrangeiros. "Não sei se os brasileiros conseguiram uma imagem com esse poder de síntese", diz, comentando a foto do carro depredado feita pelo italiano Alex Majoli.

Também o paulista Breno Rotatori, 26, e o carioca André Vieira, 43, fogem do tema das manifestações. Esse último fotografa a geração que cresceu na era Lula (2003-2010).

Para Rotatori, que retrata o centro de São Paulo, o Mundial só delimita o período em que suas imagens estão sendo feitas. Bandeiras do Brasil no teto de um bar onde um homem está sentado aparecem por acaso em uma foto sua.

Segundo ele, protestos são mais evidentes: chamam mais a atenção do fotógrafo que vem de fora e está distante dos problemas sociais.

A brasiliense Barbara Wagner, 34, criada em Pernambuco, registrou rituais religiosos e protestos do movimento Ocupe Estelita, contra a construção de prédios na região do cais, em Recife.

Segundo ela, o interessante do projeto é a oposição entre o Brasil dos estrangeiros, traduzido por fotógrafos sem apego aos temas, e dos locais, feito com muita intimidade. "O encantamento, o estereótipo, a fantasia e a denúncia parecem querer estar numa linha horizontal, aqui."


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