Folha de S. Paulo


Britânico John Oliver faz sucesso nos EUA com sátiras políticas

Primeiro foi o general Keith Alexander, ex-diretor da Agência Nacional de Segurança (NSA). John Oliver perguntou se ele seria a favor de mudar o nome da agência da inteligência para Mr. Tiggles.

Depois foi a vez da General Motors, criticada por colocar usuários de seus carros em perigo. Em seguida, da idiotice de negar as mudanças climáticas; da pena de morte; da neutralidade na internet (o princípio de que todos os dados na internet devem receber tratamento igual); do apreço do ditador sírio Bashar Assad por "I'm Too Sexy", do Right Said Fred; e, na semana passada, de um discurso de 12 minutos contra a Fifa em que a entidade foi descrita como "comicamente malévola" e comparada a um vídeo de virar o estômago veiculado na internet, "Two Girls One Cup".

A HBO lançou "Last Week Tonight with John Oliver" há apenas seis semanas, e a cada edição da noite de domingo o humorista de 37 anos —nascido em Birmingham, criado em Bedford, formado em Cambridge e que fez seu nome no "The Daily Show with John Stewart"— se consolida ainda mais como astro da contracultura da televisão.

Amigos dele dizem que John Oliver é alguém que adora uma brincadeira, mas talvez ele seja mais que isso: analistas estão falando em um rumo novo e mais engajado para a sátira política americana.

Duas semanas atrás, num esforço para provocar um sentimento de ultraje em relação à neutralidade na internet —duas palavras que, ele disse, são mais entediantes que "com Sting"—, Oliver convidou os espectadores a registrar junto à Comissão Federal de Comunicações sua oposição a uma internet de duas velocidades, que permitiria velocidade adicional para determinados usuários.

Na manhã seguinte o site da Comissão ficou sobrecarregado e saiu do ar.

Chad Batka/The New York Times
John Oliver, que apresenta programa na HBO americana
John Oliver, que apresenta programa na HBO americana

O sucesso notável do humorista avança na contramão de tendências recentes. Depois de o ex-editor de tablóides Piers Morgan ter sido demitido da CNN, comentou-se que a mídia americana estaria farta dos sotaques e da suposta atitude presunçosa britânicos.

Mas a auto-ironia de Oliver desarma as críticas. Quatro milhões de espectadores assistem a seu programa todas as semanas, e outros 2 milhões o veem online no dia seguinte. As diatribes cômicas do humorista já viraram o tema das conversas de segunda-feira nos locais de trabalho.

"Nós não tiramos o site deles do ar, Charlie —essa é uma acusação grave", Oliver disse ao apresentador da CBS Charlie Rose após a edição em que falou da Comissão Federal de Comunicações. "Apenas encaminhamos as pessoas ao site e lhes dissemos porque deveriam estar furiosas, e elas foram lá às centenas."

Oliver diz que o show é um trabalho em curso e que os roteiristas ainda não se decidiram quanto a um formato. Mas a ideia fundamental já foi definida: pegar temas do noticiário da semana e transformá-los em comédia, tendo como objetivo principal arrancar gargalhadas.

Um executivo de TV que conhece bem o humor de fim de noite nos EUA disse que o sucesso de John Oliver não surpreende. "Ele tem o dom tradicional dos ingleses de dizer aos americanos o que fazer e é ótimo nisso. É um sujeito simpático e um pouco nerd, e por isso tem conseguido dizer algumas coisas meio chocantes."

Para muitos espectadores, porém, o que diferencia Oliver dos analistas políticos habituais é sua disposição de ir mais longe. "Ele lança um chamado explícito à ação, algo que é singular", diz Dannagal Young, que leciona sátira e a psicologia do humor político na Universidade de Delaware. "Ele interage com o tópico. Não se limita a comentar ou apresentar um julgamento sobre o assunto."

Young diz que os satiristas contemporâneos hesitam em comprometer seu status de outsiders. A sátira política, para ela, é uma arte que tradicionalmente se situa fora do espectro político. Mas, segundo ela, as pessoas de esquerda estão frustradas com satiristas como Stephen Colbert e Jon Stewart (o ex-patrão de John Oliver), hábeis em identificar problemas mas que raramente lançam chamados à ação.

Quatro anos atrás, em 2010, Colbert e Stewart apresentaram um "ato público para pedir a volta da sanidade" que atraiu 250 mil pessoas ao Washington Mall. Mas, enquanto radialistas de direita provavelmente teriam usado o palco para divulgar suas ideias políticas, os dois apresentadores de TV deixaram a oportunidade passar.

"Foi apenas um festival de humor e música", diz Young. "As pessoas ficaram frustradas. Queriam ter sido convocadas a fazer alguma coisa. Stewart e Colbert entenderam que as pessoas ansiavam por alguma coisa —uma voz da razão que falasse a verdade ao poder—-, mas, sem ser convocadas a fazer alguma coisa, as pessoas se sentiram deixadas na mão."

Com uma carreira caracterizada pelo timing fortuito, John Oliver chegou à HBO após sete anos no "The Daily Show", incluindo três meses substituindo Stewart no verão passado.

"Ele aprendeu com Stewart", diz o executivo de TV. "Oliver é um pouco mais escrachado que Jon —e curte usar seu pódio para conduzir seus espectadores numa direção irreverente." Sua performance como apresentador causou impressão tão boa nos executivos da HBO que eles lhe ofereceram um horário (depois de "Game of Thrones") livre das restrições de conteúdo típicas da televisão.

"Last Week Tonight" é tão surreal que mal pode ser classificado como humor. John Oliver e o general Alexander parecem estar igualmente espantados por estarem frente a frente. Foi um feito extraordinário para Oliver —-uma escolha inesperada de palco para um representante público que conduziu a NSA ao longo do caso Edward Snowden.

É possível que Oliver tenha conquistado mais liberdade não apenas por estar na HBO, mas porque como estrangeiro —ou seja, outsider— ele é visto como alguém que não é nem de esquerda nem de direita. Seu tom brincalhão o autoriza a criticar, críticas que, quando expressas pelos apresentadores Bill Maher ou Piers Morgan, soam agressivas, como sermões ou muito politicamente enviesadas. "Esse é um de seus pontos fortes", diz Young. "Ele não provoca uma reação ideológica imediata nas pessoas. Ele fala das pessoas e do poder, não de política."

No ano passado, no "The Daily Show", Oliver disse ao "Guardian" que não vê o que faz nem como jornalismo nem como crítica social, mas como algo na fronteira entre os dois. Três semanas atrás ele mostrou no ar uma tomada longa de genitália masculina que disse simbolizar Mitch McConnell, o líder da minoria republicana no Senado. "A HBO é o faroeste moral", disse Oliver.

Depois disso, partiu para o ataque contra a General Motors, criticando-a por não informar o público sobre problemas no sistema de ignição de seus carros que parecem ser responsáveis por uma dúzia de fatalidades. "Fazer uma matéria altamente agressiva sobre a General Motors antes de um inquérito congressional é algo que poderia ser um problema na televisão comercial."

Em entrevista recente ao "Hollywood Reporter", Oliver, o mais velho de quatro filhos de um casal de professores, descreveu-se como filho da era Thatcher. "É difícil ser apático quando você cresceu na era de Margaret Thatcher —você só pode ter sido pressionado em uma direção ou outra", explicou.

Em Cambridge, ele participou do grupo de teatro Footlights, onde "aprendeu a fracassar", em suas palavras. Mudando-se para Londres mais tarde com o também humorista Richard Ayoade, Oliver se sustentou com trabalhos diversos, um dos quais era prestar serviços a um homem que vendia equipamentos de cozinha roubados.

Em uma ocasião, foi enviado de táxi para o outro lado de Londres, levando 5.000 libras e uma faca. "Falei: 'Se alguém tentar me assaltar, entrego o dinheiro e a faca'", Oliver recordou. "Acho que ele achava divertido me ter por perto. Nossas vidas não deviam se cruzar de nenhuma maneira."

Oliver nunca tinha ido aos Estados Unidos quando ganhou o trabalho no "The Daily Show", aparentemente por recomendação de Ricky Gervais. Este o conhecia de seu trabalho com Armando Iannucci, que contratou Oliver em 2003 para escrever para "Gash", programa de rádio de uma semana que coincidiu com as eleições britânicas locais.

Oliver mostrou ser um crítico cultural de olhar aguçado. Iannucci disse recentemente ao "Hollywood Reporter": "No rádio, você aprende a escrever com foco, valorizando cada palavra. E John era fantástico nisso. Ele jogava alguns comentários e observações no ar, como quem não quer nada. Eu relaxei imediatamente, porque percebi que estava com uma pessoa que estava totalmente a vontade no mundo do humor tópico."

John Oliver fez sua primeira apresentação na TV americana quase imediatamente depois de chegar ao país. "Minhas pernas ficaram bambas e eu pensei: 'O que diabos você está fazendo? Vão te desmascarar completamente.'" Isso ainda não aconteceu. Ele se radicou nos Estados Unidos e se casou com uma cirurgiã militar americana.

"A força dele está em sua capacidade de brincar, de fazer o cidadão sentir-se inteligente, de chamar a atenção dele para coisas que ele talvez não tivesse notado antes e lhe dar crédito por isso", comenta Young. "Ele encontrou um veio, e as pessoas vão querer embarcar nessa onda. Vamos nos surpreender com quem vai aparecer. Acho que John Oliver será importante."

Tradução de Clara Allain


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