Folha de S. Paulo


Mostra em NY no Museu Guggenheim traça o mapa da arte latina

Numa performance encenada —e filmada— na fronteira das cidades de Tijuana, no México, e San Diego, nos EUA, o artista venezuelano Javier Téllez planejou um clímax circense e ao mesmo tempo subversivo: o arremesso de um homem-bala do território mexicano para o norte-americano, por cima do muro erguido para conter a passagem de imigrantes.

Intitulado "Bala Perdida", o vídeo, de 2005, pode agora ser visto no Museu Guggenheim, em Nova York, na mostra "Sob o Mesmo Sol - Arte da América Latina Hoje", inaugurada no último fim de semana.

A exposição reúne trabalhos de 40 artistas de 15 países do continente, entre os quais o Brasil —representado por Erika Verzutti, Rivane Neuenschwander, Tamar Guimarães, Jonathas de Andrade, Adriano Costa e Paulo Bruscky.

"Sob o Mesmo Sol" marca uma nova política curatorial, em parceria com o banco suíço UBS, que tem por objetivo dar mais visibilidade à arte do continente (além de outras regiões do mundo) e integrá-la à coleção do museu.

David Heald/Divulgação
Instalação 'ABC', da argentina Amalia Pica, parte de exposição no Museu Guggenheim, em Nova York
Instalação 'ABC', da argentina Amalia Pica, parte de exposição no Museu Guggenheim, em Nova York

Todas as obras foram adquiridas e serão exibidas posteriormente no Museu Jumex, do México, e no MAM de São Paulo —em abril de 2015.

"Temos uma oportunidade de redesenhar o mapa artístico e cultural das Américas, eliminar fronteiras e criar novas relações entre os diferentes centros", afirma o curador Pablo León de la Barra.

Ele conta à Folha que a exposição foi fruto de um ano de trabalho e de muitas viagens para visitar museus, ateliês e espaços alternativos.

"Eu já tinha uma experiência anterior com a arte latino-americana e conhecia parte dos artistas escolhidos, que fazem, a meu ver, um trabalho inteligente e de qualidade", diz ele, que é mexicano.

NORDESTE

Além da produção mais recente, De la Barra também quis mostrar obras de artistas ligados às décadas de 1960, 1970 e 1980, "muitos deles que viveram ou foram exilados nos Estados Unidos, em períodos de dificuldades políticas em seus países".

É o caso dos argentinos David Lamelas e Marta Minujín, do chileno Juan Downey ou do brasileiro Paulo Bruscky.

Um dos destaques da exposição é o artista alagoano Jonathas de Andrade, com o seu projeto "Cartazes para o Museu do Homem do Nordeste", que ganhou uma sala à parte.

Numa ação feita à margem do museu nordestino, criado na década de 1970 pelo sociólogo Gilberto Freyre, Andrade colocou anúncios em jornais convocando interessados em posar para fotos que, supostamente, passariam a fazer parte do acervo da instituição.

Muitos responderam e o processo todo, dos classificados aos pôsteres, passando por textos e depoimentos, transformou-se numa instalação —que já foi exibida em São Paulo e está também agora na Bienal de Dacar.

Apesar das ambiguidades do Brasil em relação a seus vizinhos hispânicos e das dificuldades em relação aos Estados Unidos, De la Barra reforça a ideia de que os países do continente têm muito em comum.
"Não gosto de pensar em termos de limites e divisões", afirma ele.

"Apesar das contradições, dos conflitos e de algumas especificidades que ainda devem ser reconhecidas e valorizadas, nós realmente vivemos sob o mesmo sol."

Ao menos no terreno da arte, o metafórico homem-bala da performance de Téllez pode circular livremente pelas fronteiras das Américas.


Endereço da página: