Folha de S. Paulo


Tradutor obsessivo publica livro inédito de James Joyce

O que mais fazer numa manhã gélida de terça-feira, com termômetros oscilando entre 1 e 5 graus Celsius, senão discutir James Joyce?

Em Curitiba, no último dia 3, umas 20 pessoas acordaram cedo com esse objetivo. Já estavam a postos às 8h, no campus de ciências humanas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), para esmiuçar o universo do escritor irlandês (1882-1941) e de seu romance "Ulysses", um dos mais cultuados do século 20.

Joyce é um nome capaz de atrair leitores mesmo em dias de geada, mas a aula contava com um outro, digamos assim, popstar: o professor e tradutor Caetano Waldrigues Galindo, 40.

Há dois anos, Galindo lançou sua tradução de "Ulysses". Fruto de dez anos de trabalho, o livro mudou a vida do tradutor: valeu a ele prêmios (como o Jabuti), prestígio nos meios acadêmico e editorial e um vínculo joyciano que ainda perdura.

Theo Marques/Folhapress
O professor e tradutor Caetano Galindo no escritório de sua casa, em Curitiba
O professor e tradutor Caetano Galindo no escritório de sua casa, em Curitiba

"A versão de Galindo é a melhor já lançada em português", diz o professor de teoria literária da Unicamp Fábio Durão. "Toda tradução de 'Ulysses' tem seus problemas, mas Galindo soube ser acessível sem adulterar o texto."

Galindo lança agora, pela Companhia das Letras, "Finn's Hotel", de contos inéditos do escritor irlandês.

Nos corredores da UFPR, a dupla Galindo/Joyce provoca fila de espera de alunos. Na aula que a Folha presenciou, ele leu e comentou o penúltimo capítulo de "Ulysses".

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Por quase quatro horas, esbanjou conhecimentos em música clássica, história e literatura. Tudo misturado a referências pop e piadas sobre sexo e homem curitibano.

Ao comentar uma das passagens da "Odisseia", por exemplo, fez relação com uma matança do filme "Rambo 3", colocando o grego Homero e o americano Sylvester Stallone na mesma frase.

"Você não precisa ser sisudo para ser profundo. O 'Ulysses' é um exemplo. É muito complexo, mas é também muito engraçado."

Galindo é professor de linguística e teoria da tradução, vice-coordenador do curso de letras da UFPR e pesquisador do CNPq. Isso, contudo, é apenas uma parte de suas muitas atividades.

Em cerca de dez anos de trabalho como tradutor, já soma 26 livros em seu currículo (os quatro últimos devem sair até o final deste ano).

Não são quaisquer livros. Além de James Joyce, a seleção inclui autores do porte de Ali Smith, Thomas Pynchon, Tom Stoppard e Alice Munro.

Em breve saem suas traduções de dois outros pesos-pesados: Samuel Beckett (1906-1989) e David Foster Wallace (1962-2008). Fora isso, finaliza seu próprio livro, reunião de contos que a Companhia lança no ano que vem.

"Apesar do que parece, sou profundamente preguiçoso. Sou rápido porque não tenho escolha. Ou faço assim ou não consigo tempo para nada."

Galindo diz ser totalmente obsessivo. Na adolescência, praticou tantos exercícios de violão que chegou a perder os movimentos da mão. Outro hábito é fazer palavra-cruzada (no nível mais difícil, é claro) com o relógio do lado, controlando o tempo.

Na literatura, isso se manifesta em projetos ambiciosos. Em novembro sai pela Companhia sua tradução de "Graça Infinita", livro de Foster Wallace que Galindo diz ser um "Ulysses" dos tempos atuais.

Nos raros momentos de folga, sua distração é traduzir "Finnegans Wake", o mais hermético dos livros de Joyce. "Eu sou o cara que estourou a mão tentando estudar violão, mas acho que não vou estourar a cabeça. Acho."


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