Folha de S. Paulo


Filho de Tim Lopes vela o pai em filme 'Histórias de Arcanjo'

Dez anos após a morte do jornalista Tim Lopes, Bruno Quintella, 31 —seu filho e também jornalista—, transformou um documentário sobre a vida do repórter numa forma de velar o pai e lidar com o luto.

Lopes foi morto por traficantes enquanto fazia uma reportagem na favela Vila do Cruzeiro, no Rio, em 2002. Por causa das circunstâncias de sua morte, não houve velório.

Em "Tim Lopes - Histórias de Arcanjo", que estreia nesta quinta-feira (5), Quintella —que é roteirista do longa— revisita a vida de seu pai a partir de sua morte.

Divulgação
Bruno Quintella, filho do jornalista Tim Lopes, visita o local da morte do pai, na Pedra do Sapo
Bruno Quintella, filho do jornalista Tim Lopes, visita o local da morte do pai, na Pedra do Sapo

"Eu não vi meu pai morto, não houve um velório, isso sempre foi difícil. Quando cheguei ao Morro do Alemão [local em que Tim foi assassinado] por causa do filme, eu estava de certa maneira enterrando meu pai", afirma.

No documentário, Quintella entrevista amigos, colegas de trabalho do pai e até mesmo sua própria família para mostrar todas as facetas de Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento -nome de batismo de Tim. Há, por exemplo, um emotivo almoço de família com sua avó, Maria do Carmo, e os irmãos do pai.

"Eu queria fazer um filme sobre o meu pai, não sobre o Tim Lopes. Quis mostrar o Tim do jornal impresso, cronista, não só o repórter de televisão que todos conheciam", diz.

"Nesse mergulho, tentei cruzar minha relação com o meu pai e com a morte. Eu nunca tinha encarado a morte dele de frente, sempre me esquivava um pouco."

Com experiência semelhante à de Quintella, Cristiano Burlan, diretor de "Mataram Meu Irmão" (2013), diz que fazer um filme sobre a morte de um ente querido não precisa ser necessariamente terapêutico. "Meu documentário é, antes de mais nada, cinema. Não tem nada a ver com uma sublimação freudiana ou resiliência."

PEDRA DO SAPO

A busca pela memória do pai levou Quintella à Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão, onde Lopes foi torturado e morto por traficantes. No filme, o jornalista está sozinho no local, no que parece um ritual de despedida.

"Convencer o Bruno a ir até lá foi o mais difícil. Foi delicado, para ele e para toda a equipe", conta Guilherme Azevedo, diretor do longa.

Azevedo trabalhava com o jornalista na TV Globo na época da morte e foi o idealizador do projeto, discutido pela primeira vez com Bruno em 2004, em encontro nos corredores da emissora.

"Tim sempre teve uma visão humana, social, das histórias, queria lutar contra a pobreza. Isso mexeu comigo. Eu sentia necessidade de mostrar o que sentia ao estar com ele", conta.

O projeto só saiu do papel em 2009, quando Bruno se sentiu pronto para tratar da história. "Em 2004, estava muito recente, não queria remexer nisso", diz.

"Não saí ileso desse processo, mas pelo menos agora estou me sentindo inteiro."


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