Folha de S. Paulo


Parceria entre Darcy Ribeiro e Lelé resultou em 'beijódromo'

Com afeto e mútua admiração, as parcerias entre o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, morto na quarta (21), e o antropólogo e educador Darcy Ribeiro (1922-1997) deram inúmeros frutos e marcaram a história da arquitetura brasileira.

Lelé concretizou alguns dos grandes projetos de Darcy, que foi ministro da Educação (1962), vice-governador do Rio de Janeiro (1982), secretário de Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação do Rio, e também senador, de 1991 a 1997.

Em 1961, os dois construíram juntos a Universidade de Brasília, Darcy como grande ideólogo e Lelé como arquiteto, responsável pela criação de um sistema construtivo inovador de pré-moldados de concreto e tendo criado um dos maiores canteiros de pré-fabricação da América Latina.

Em 1984, Darcy, vice-governador do Rio, convidou Lelé para trabalhar na cidade, e foi criada a Fábrica de Escolas, usina de pré-fabricação em argamassa armada que gerou 200 escolas e 90 creches em dois anos, além de outros equipamentos urbanos.

Na derradeira parceria, Lelé projetou, a pedido de Darcy, o prédio para abrigar a fundação que leva seu nome e que acolhe seu acervo de livros, obras de arte e mobiliário, dentro da UnB.

Nas poucas conversas que tiveram sobre o projeto, Darcy pediu um amplo espaço "para serestas e leitura de teatro e poesia, defronte de uma arquibancada para 200 pessoas olharem a lua cheia e se acariciarem", um "beijódromo". Darcy não viu pronta a construção. O prédio da Fundação foi concluído em 2010.

Leia abaixo a carta que Lelé escreveu a Darcy na entrega do projeto. Nela aparecem alguns dos aspectos mais importantes da obra do arquiteto: a pré-fabricação, a preocupação constante com o bom uso do clima e o conforto ambiental.

DE LELÉ PARA DARCY

"Darcy,

Foi assim que concebi uma 'casa digna' para guardar seus livros, seu 'beijódromo' e tudo o mais que você imaginar. Lembra um pouco um disco voador ou uma mistura de maloca dos xavantes com a dos kamayanás, que você tanto admira.

Sua característica marcante: uma grande cobertura, com 34 m de diâmetro e com um círculo central de 12 m, vazado, revestido de policarbonato transparente com lâminas externas de fibra de vidro, que evitam a transferência de calor para o interior. Na projeção dessa grande claraboia, um jardim de água viçoso (com árvores e beija-flores) que se integra aos dois pavimentos do edifício.

Para garantir seu conforto interno, imaginei circulação de ar por conversão e forçada por exaustores localizados no topo da cobertura. Nos meses de seca, nebulizacão mecânica da água do lago, criando uma espécie de névoa, será uma boa solução (mesmo correndo o risco de dar ao edifício um certo ar extraterreno) para aumentar o teor de umidade do ar insuflado e consequentemente estabelecer um microclima interno, mais ameno e necessário à preservação dos livros (...).

Seu amigo, Lelé.
Brasília, 1996."

O texto acima está publicado no livro "João Filgueiras Lima - Lelé", editado pelo Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, em 2000


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