Folha de S. Paulo


Crítica: André Sant'anna encurrala classe média no livro 'O Brasil É Bom'

A contracapa anuncia um livro irônico que denuncia "a pobreza moral da classe média e as tensões raciais e sociais em ebulição, no Brasil". A capa é um óleo hiper-realista de Antonio Henrique Amaral em que vemos uma banana com casca começando a apodrecer, espetada por um garfo. Ironia de novo? Denúncia também?

Vão-se ler os contos do novo livro de André Sant'anna e, bem, não é exatamente isso.

O tema é o Brasil de hoje, meio banana podre mesmo: alude-se a deputados abandidados, fala-se de classe baixa que ascendeu um pouco e não entendeu direito as manhas da vida burguesa, um ex-jogador de futebol expressa visão imbecil sobre a história brasileira —se Pelé foi mesmo tão bom como dizem, ele pensa, então a escravidão não foi de todo ruim.

Lucila Wroblewski/Divulgação
André Sant'anna, autor do livro 'O Brasil É Bom
André Sant'anna, autor do livro 'O Brasil É Bom'

Há de fato ironia? Aqui está o debate. Exercendo um tipo de texto que já experimentou outras vezes, Sant'anna brinca de escrever imitando o pensamento e a expressão de imbecis, conservadores ou simplesmente patetas. Nisso, obtém efeito cômico com bastante frequência. Mas isso não é exatamente ironia.

O livro se filia à vertente daquele Rubem Fonseca dos anos 1970, que levou mais de um crítico a falar de "brutalismo", em lugar de realismo: nesses textos, como nos de Sant'anna, o que se busca é impactar o leitor, ser de classe média e, portanto, acuado pela violência urbana e pelas mazelas do Estado brasileiro.

Livro
O Brasil é Bom
André Sant'anna
O Brasil é Bom
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Os textos o encurralam mais uma vez, insinuando que o mundo é isso e apenas isso —deputados corruptos, pastor mentecapto engambelando otários, pobres tendo voz para dizer disparates.

Ocorre que o mundo, que tem tudo isso aos montes, não é apenas isso. Esse é o mundo escolhido pelo autor e iluminado no livro. O recorte da visão de mundo do autor é que monta esse quebra-cabeça, que no entanto vai se fazendo como se fosse a própria realidade.

Riso no varejo, de fato existe; mas o conjunto representa uma visão conservadora, quando não reacionária, que faz rir dos emergentes reais do país e demoniza a vida em sociedade, tudo apresentado sem qualquer contexto e destituído de humanidade.

Não, não se quer piedade da literatura; mas sim, a literatura assume pontos de vista ao recriar o mundo. A visão de mundo de "O Brasil É Bom" é cretina, e (mas) se constrói em textos criativos, articulados pela simples vocalização crua, brutalista, de pontos de vista triviais.

LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura da UFRGS.

O BRASIL É BOM
AUTOR André Sant'anna
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39 (192 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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