Folha de S. Paulo


Dez razões para chorar com a novela 'Em Família'

A novela global das nove provoca ora sono, ora incredulidade. Embora ainda seja o carro-chefe da casa, sua média no Ibope é de 30 pontos na Grande São Paulo (um ponto equivale a 65 mil lares). A antecessora, "Amor à Vida", cravou 35. Mas, para a Globo, a trajetória é ascendente.

"Em Família" é a luta de uma heroína chata contra a relação da sua filha com seu ex-amor, um galã-pesadelo. Não bastasse mãe e filha disputando o mesmo bofe, há também violência sexual e alcoolismo no cardápio.

Procurados, o autor, Manoel Carlos, e o diretor, Jayme Monjardim, não comentaram.

A reportagem lista aqui coisas que estão fora da ordem na trama e que podem explicar por que, afinal, a história não pega.

1- ELENCO DESAFINADO

O personagem Virgílio é um marido bonzinho e submisso. Só que o ator Humberto Martins, marcado indelevelmente como "pegador" descamisado, não convence.

"Houve problema de 'casting'", diz a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, do Centro de Estudos de Telenovela da USP.

A vilã Branca, vivida por Ângela Vieira, é outro erro duplo, para o colunista da Folha Mauricio Stycer. "Uma milionária ridícula, grotesca, interpretada fora do tom."

2- DESAFORO AO TEMPO

A novela se enrolou nos vários tempos narrativos. É uma "cronologia estapafúrdia", diz Nilson Xavier, autor de "Almanaque da Teledramaturgia Brasileira".

Vejamos: no começo, a personagem Juliana era vivida pela atriz Gabriela Carneiro da Cunha, 32, mais velha, portanto, que sua sobrinha Helena, vivida por Bruna Marquezine, 18. Na fase atual, a Juliana envelhecida, na pele de Vanessa Gerbelli, 40, parece mais nova que a atual Helena, encarnada agora por Julia Lemmertz, 51.

3- MÃE, FILHA E BAIXARIA

Que a heroína Helena é rancorosa todo mundo já sabe. Mas, quando ela descobre que a filha namora Laerte, (Gabriel Braga Nunes), evolui de rancorosa a baixa: "Quando ele beija você, é a mim que está beijando", diz à filha. E dá um tapão nela (Bruna Marquezine).

Laerte e Virgílio também já foram às "vias de fato".

4- GRAÇA SEM GRAÇA

Para rebater assuntos pesados, "Em Família" criou um asilo com velhinhos artistas simpáticos e trapalhões, mas não dão conta do recado. "As histórias não avançam, giram como pião", diz Stycer.

5- GALÃ FRIO E SEM GRAÇA

E o que falar de Laerte? "Não é carismático. É frio, difícil ter empatia do público", diz Xavier. No começo, agia como psicopata: enterrou vivo o seu rival, hoje seu sogro.

6- GAYS VERSUS FAMÍLIA MARGARINA

A novela balança também entre o amor moderninho gay e a família margarina.

É que o carisma que falta em Laerte sobra em Cadu (Reynaldo Gianecchini), o que prejudicou o obrigatório amor gay da novela, que deveria rolar entre Clara (Giovanna Antonelli), mulher de Cadu, e Marina (Tainá Müller). A concorrência de Marina é dura: além de Cadu, o marido boa-praça, há o lindinho filho do casal, Ivan (Vitor Figueiredo).

7- MÚSICA CHATA

A trilha não vai muito além daquela bossa nova que o autor Manoel Carlos gosta. Pior: quando dois músicos eruditos saem para jantar, Verônica (Helena Ranaldi) e Michel (Michel Melamed), se regozijam ouvindo o clássico de casamento "Ordinary People".

8- PEC DAS DOMÉSTICAS #FAIL

Há descompasso com a mudança de costumes: empregadas são retratadas como nos anos 1980. Participam das conversas de família sempre em pé, e são recompensadas com "mimos" como sorvete com geleia. Estão sempre uniformizadas.

9- CICATRIZES MUTANTES

Apertem os cintos, o maquiador sumiu! A cicatriz de Virgílio muda de lugar e, mesmo com mais de 20 anos, é pior que a de Cadu, que acaba de ser operado.

10- TRAMA FORA DA REAL

Mas o que irrita mesmo é a narrativa inverossímil. "Luiza se apaixonou pelo homem que quase matou seu pai, de maneira torpe, insana. É estranho que não esboce qualquer questionamento moral", diz Igor Sacramento, professor de comunicação da UFRJ.


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