Folha de S. Paulo


Canadense Xavier Dolan entrega seu filme mais maduro em Cannes

Os donos de cinema no Brasil podem ficar aliviados e descansar o carimbo de "avisado": o novo filme de Xavier Dolan, conhecido pelas obras de alto conteúdo homossexual, não tem nenhuma cena picante e nem mesmo uma trama homoerótica. "Mommy", apresentado nesta quarta-feira (21), como parte da competição oficial pela Palma de Ouro em Cannes, é a obra mais madura do cineasta canadense de 25 anos, ainda que repleta de excessos.

Não há dúvida que Dolan seja um sujeito talentoso. Faz um filme a cada oito meses, no qual dirige, edita, compõe a trilha, escreve e produz. Mas esse controle todo é seu trunfo e derrota. Ele tem a liberdade de exibir "Mommy", por exemplo, em uma proporção de 1:1, que, vertical, é quase como assistir a um vídeo do Instagram em uma tela de cinema —o único momento que passa para a tela cheia, em widescreen, é numa sequência magnífica com "Wonderwall", do Oasis, tocando ao fundo.

O fato de não apostar novamente em temática gay já mostra uma vontade de variar, de amadurecer como cineasta —a prisão do conteúdo é sempre uma prisão, por mais politicamente bem intencionada que ela seja. Ao mesmo tempo, Dolan não possui rédeas. "Mommy" poderia facilmente ter 30 minutos a menos com uma bela lapidada em alguns diálogos e uma montagem mais rígida.

Sua extravagância visual e narrativa muitas vezes se coloca entre o espectador e a trama. A começar pela abertura, avisando tratar-se de um "Canadá fictício de 2015" no qual uma lei possibilita que os pais possam internar filhos com "problemas mentais" em hospitais públicos. Dolan cria uma expectativa distópica apenas para justificar uma simples cena no fim do filme, enquanto o que importa já ficou para trás.

No caso, a história de Steve (Antoine Olivier Pilon, que já fez "Laurence Anyways" com Dolan), um garoto hiperativo de 15 anos que enlouquece a mãe (Anne Dorval, ótima), uma viúva durona. "Mommy" brinca com a ideia da superproteção materna, mas seu tema central é mostrar como um aparente "parafuso a menos" não significa uma tragédia. O canadense, que se vê um pouco como Steve, propõe paciência, mas com cuidado para não formar uma relação edipiana como a de seus protagonistas.

Espertamente, o filme brinca com linhas temporais diferentes, uma espécie de "o que aconteceria se...", um truque que pode irritar o público, mas que atende o propósito de mostrar como o garoto que coloca fogo em cafeterias e fala 11 palavrões a cada dez palavras pode ser salvo. Dolan, pelo visto, foi salvo pelo cinema e rejeita camisas de força criativas —seu personagem não tem escapatória. Mas bem que poderia experimentar um produtor/psicólogo no futuro para ter mais foco.


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