Folha de S. Paulo


Taxista nos EUA, sírio escreve no tempo livre

No mundo árabe, o escritor sírio Osama Alomar, 46, tem uma crescente reputação como autor de parábolas curtas e sagazes que abordam indiretamente problemas políticos e sociais.

Mas aqui, onde mora desde 2008, ele passa a maior parte do tempo dirigindo o táxi 45 da empresa Horizon Taxi Cab.

Por até 12 horas diárias, seis dias por semana, Alomar cruza os subúrbios em torno do Aeroporto O'Hare em seu táxi azul, com uma pilha de dicionários e um livro de Khalil Gibran a seu lado.

Enquanto espera passageiros, ele tenta escrever em um notebook. "Dirigir táxi é um trabalho duro, física e psicologicamente, pois me impede de escrever o quanto eu gostaria", disse.

"É um tipo de exílio espiritual além do meu exílio físico, mas preciso ser forte e paciente."

Alomar, cujo primeiro livro traduzido em inglês, "Fullblood Arabian" (Árabe Puro Sangue) foi publicado recentemente, deu uma pausa em sua rotina estressante no início de maio para participar do festival literário PEN World Voices em Nova York, onde conheceu a escritora Lydia Davis.

Segundo Davis, as histórias de Alomar "são muito imaginativas, vívidas e hilariantes".

"Algumas são sombrias e iradas, ao passo que outras são divertidas. O estilo é compacto, sem desperdício de palavras, e elas mudam rapidamente, até o fim. Apesar da densidade, também são explosivas, como a réplica de um terremoto, pois parecem contar uma história ao mesmo tempo que estão contando outra."

Alomar se considera herdeiro de uma forma literária, chamada de "al-qissa al-qasira jiddan", ou história muito curta, que existe há mais de mil anos no mundo árabe e tem elementos de poesia, filosofia, folclore e alegoria.

"Fullblood Arabian", lançado dentro de uma série de poesia com obras de Lawrence Ferlinghetti e Hilda Doolittle, tem histórias de no máximo três páginas. A mais curta tem apenas uma frase.

Muhsin al-Musawi, professor na Universidade de Columbia, em Nova York, descreveu o gênero adotado por Alomar como "semelhante ao enigma ou à charada", mas com "um alto nível de prosa".

As histórias de Alomar lançam mão de ambiguidades, sobretudo em relação à cena política. Aqui está na íntegra "Tongue-Tie" (Língua Presa), a parábola que dá título a uma de suas três coletâneas publicadas em árabe:

"Antes de sair para o trabalho eu prendi minha língua e coloquei uma bela gravata. Meus colegas me elogiaram pela elegância. Eles contaram ao patrão, que se mostrou admirado e mandou todos seguirem meu exemplo".

Alomar nasceu em 1968 em Damasco. Ele leu muitos livros da biblioteca de seus pais, estudou literatura árabe na faculdade e cantava e tocava guitarra em uma banda de música pop.

Quando o serviço em árabe da BBC veiculou um poema que ele havia enviado, ele se convenceu de que tinha futuro como escritor.

Foi para os Estados Unidos em 2008 para se juntar à sua mãe e a um irmão mais velho. Há três anos ele acompanha as notícias de seu país, destruído pela guerra civil, e o considera agonizante.

"No início eu estava otimista, pois o povo sírio tinha consciência do valor de sua liberdade", disse. "Agora penso o contrário, pois há muitos obscurantistas até na oposição. Ver esse sofrimento todos os dias me deixa abatido."

Embora tenha se exilado por vontade própria, seria difícil voltar agora para Damasco, disse Alomar, e não só porque ele é publicamente identificado com a oposição à ditadura de Assad.

Este ano, relatou, um apartamento que tinha foi destruído em um ataque. Ele perdeu muitos manuscritos, inclusive um romance.

Alomar aspira a escrever em árabe e em inglês: "Meu objetivo, minha meta, é tornar-me um escritor americano", afirmou.

Seu longo expediente limita o tempo para escrever e conhecer outras pessoas além dos passageiros, que desconhecem sua história e não estão necessariamente interessados no conflito na Síria.

"Sinto-me isolado em meu táxi", lamentou ele. "Gosto da minha vida aqui, mas também sinto saudades do meu país. Tenho muitas lembranças de cada esquina, de cada pedra em Damasco. Este, porém, é meu novo país e quero mergulhar nele."


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