Folha de S. Paulo


Líder do Blur, Damon Albarn lança disco livre dos fardos passados

Na maior parte do show que fez recentemente no Highline Ballroom, em Manhattan, Damon Albarn se concentrou em música introspectiva e autobiográfica, abarcando seus 25 anos de carreira pop. Ao final, Albarn levou ao palco um coral gospel para acompanhá-lo em "Mr. Tembo", uma nova e alegre canção que inclui o refrão "é lá que ele está agora, mas não foi isso que ele planejou".

Que Albarn tenha escrito essa canção para um elefante tanzaniano diz muito sobre ele, mas na realidade a canção é sobre o autor: um explorador sonoro que passou os anos 1990 como líder do Blur, uma das bandas de maior sucesso na época, mas deixou as origens de lado, primeiro com o Gorillaz e depois para conduzir projetos que incluíam imersões nas culturas africanas e asiáticas.

Ao seguir uma carreira que muitas vezes parece não ter plano, Albarn, 46, está chegando agora ao primeiro álbum solo, "Everyday Robots".

Nathaniel Welch/The New York Times
O músico inglês Damon Albarn em Manhattan, Nova York
O músico inglês Damon Albarn em Manhattan, Nova York

O disco é a oportunidade para Albarn demonstrar o que significa fazer música com seu nome próprio, livre do fardo de suas bandas passadas.

Mas quem exatamente é a pessoa de que estamos falando? Ele está descobrindo ao longo do caminho. "Sou um novato em projetos que levam meu nome, o que é bizarro. Sinto-me como alguém que é aprendiz pela enésima vez. De certa forma é um alívio estar começando de novo."

ASTRO DO ROCK

Nascido em Londres, Albarn tem cabelos desgrenhados, olhos sonolentos e um sorriso que mostra um dente de ouro. Ainda assim, tudo fica bem distante do comportamento tosco que ele celebrava no auge do britpop dos anos 90, gênero que conduziu bandas como Blur, Pulp e Oasis ao topo das paradas.

"Era um momento de mudança, celebração e excessos", diz Steve Lamacq, DJ da Radio 6 Music Station, um dos canais da BBC. "Depois de três ou quatro anos ouvindo a música angustiada do grunge norte-americano, havia um apetite por bandas que compusessem canções sobre a vida como ela era no Reino Unido daquela época."

Por fim, aquele momento musical acabou e o Blur lançou seu álbum final, em 2003. Era hora de ir adiante, e Albarn tinha um conjunto de passaportes musicais preparados e de novas identidades a assumir, tendo cultivado outros projetos, como a banda Gorillaz e o grupo The Good, the Bad & the Queen.

"Ele não podia deixar mais claro que não queria mais liderar coisa alguma", diz Jian Ghomeshi, apresentador da CBC Radio. "Talvez haja quem veja essa atitude como uma tentativa maquiavélica de parecer modesto. Mas acho que ele sentia desconforto em ser um clichê de astro do rock, e isso afetou suas escolhas."

Albarn diz que não havia cálculo nessas decisões, e nem nas viagens que fez nos últimos dez anos a países como Mali e Etiópia, onde aprendeu tradições, gravou discos e conheceu artistas.

"Isso dá a você um vocabulário maior", diz, "e quanto maior o vocabulário que você ganha, certamente mais articulado você se torna".

EMPREGO

Ele também se envolveu em projetos inesperados, como a ópera chinesa "Monkey: Journey to the West", encenada no ano passado.

Durante esse tempo todo, Albarn diz que continuou a criar música como se fosse um operário, em seu estúdio de Londres. "Começo a trabalhar às 9h30, e termino às 17h30, cinco dias por semana, excetuadas férias e finais de semana", ele diz.

Perguntado como conseguia manter uma agenda tão certinha, Albarn responde em tom de ligeira incredulidade: "É o meu trabalho".

Quando Albarn decidiu trabalhar com Richard Russell, produtor musical e dono da gravadora XL Recordings, no que viria a se tornar "Everyday Robots", ele já havia acumulado um estoque significativo de material.

"Damon me mostrou uma coleção imensa de canções, rascunhos, pedaços de canções que ele compôs", afirma Russell. "Mais de cem delas, é o que eu quero dizer."

Se a sensação geral de "Everyday Robots" é de desolação, Albarn diz que gosta de operar em um modo "distópico, mas esperançoso". "Se eu quisesse ficar realmente melancólico, ouviria música folclórica celta. Eles mexem com todas as emoções."

Nos últimos anos, Albarn fez alguns shows com o Blur, e diz não se sentir confinado pelo sucesso da banda e nem obrigado a tocar canções do grupo quando sobe ao palco.

O músico está trabalhando em uma nova ideia "tipo ópera" com Simon McBurney, fundador da Complicite, companhia de teatro britânica. Ele comenta com pesar que, apesar de suas muitas viagens, nunca foi à Índia, país rico em possibilidades culturais.

"Quem sabe o que pode acontecer comigo se eu for à Índia?", diz, acrescentando que consegue se imaginar facilmente caindo sob a influência de um "swami". "Talvez eu acabe dando nós no pênis e ficando anos inteiros em pé sobre uma perna só."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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