Folha de S. Paulo


Repórter visita pontos frequentados por García Márquez em Bogotá

Mulheres chorando, gritos, ruído de vitrines sendo despedaçadas e o fogo comendo algumas construções. Assim estava o centro de Bogotá naquela tarde fria de 9 de abril de 1948, quando Gabriel García Márquez, então um jovem de 21 anos, chegou ao número 35 da carrera 7ª, uma das principais vias da cidade.

Ali, acabava de ser morto, a tiros, o líder político mais popular da história da Colômbia, o carismático Jorge Eliécer Gaitán (1903-1948). Seu assassinato deixaria profundas marcas na América Latina, entre elas, o início do período chamado de "la violencia", dividindo profundamente o país entre liberais e conservadores.

Naquele momento, porém, Gabo estava mais preocupado com a pensão em que vivia, próximo dali, que diziam que havia sido consumida pelas chamas. E com uma máquina de escrever que havia penhorado por alguns trocados, e que considerava perdida no meio daquele caos. Manter-se sozinho, sem casa e sem dinheiro, na cidade grande, era algo que o aterrorizava.

Sylvia Colombo/Folhapress
Local em que morreu o líder Jorge Eliécer Gáitan, próximo de onde vivia Gabriel García Márquez
Local em que morreu o líder Jorge Eliécer Gáitan, próximo de onde vivia Gabriel García Márquez

"Tenho 5.000 anedotas para contar sobre Bogotá, a cidade onde me formei", diria Gabo muitos anos depois. Na tentativa de recuperar algumas delas, a exposição "Gabo, Feliz e Cachaco" ("cachaco" designa os bogotanos) reúne fotos e passagens de textos e está em cartaz atualmente na cidade.

A ideia é mostrar como o Nobel, que gostava tanto da região da costa, onde nascera, não teria se desenvolvido política ou literariamente se não tivesse passado por Bogotá.

A 2.600 metros do nível do mar, Gabo sentia frio. Durante muito tempo, não se adaptou à capital porque tinha saudade do calor abafado e das tempestades no meio da tarde, tão típicas de Aracataca, sua cidade natal. O resultado é que se metia por tardes inteiras nos cafés do centro, para ler e escrever.

"Para escapar da solidão dos domingos, ele fazia intermináveis viagens de bonde, ia de uma ponta a outra, lendo e refletindo", diz o biógrafo Gerald Martin. As imagens mostram que seguiu vestindo-se como alguém da região litorânea, com calças coloridas e camisas quadriculadas. Não gostava da sisudez com que ainda hoje se vestem os da capital.

A Folha percorreu alguns dos locais de Gabo em Bogotá, pouco depois de sua morte, no último dia 17 de abril.

Sylvia Colombo/Folhapress
Café San Moritz, preferido de Gabriel García Marquez, hoje fechado, com ambulantes na porta
Café San Moritz, preferido de Gabriel García Marquez, hoje fechado, com ambulantes na porta

O primeiro que encontrou foi seu café preferido, o San Moritz, de portas fechadas. A fachada vermelha do edifício colonial, próximo à Candelaria (coração da Bogotá do domínio espanhol), agora está tomada por ambulantes.

"Tem gente fotografando aqui todo dia", diz Miguel Ordaz, 62, que descia a rua carregado de livros para vender. Na mão direita, um volume sobre a rivalidade entre o atual presidente, Juan Manuel Santos, e seu antecessor, Álvaro Uribe. Na esquerda, um exemplar de edição popular de "Cem Anos de Solidão", obra máxima de Gabo.

Há tempos que o centro financeiro de Bogotá dissolveu-se em detrimento de bairros mais modernos. E a zona que era o coração da cidade nos anos 40/50, quando Gabo vivia ali, na rua Florián, hoje está tomada pelo comércio popular e informal.

"Nossas cidades estão apinhadas de gente vendendo minutos de celular. Devemos mesmo ser um país rico em tempo", disse o irônico escritor Fernando Vallejo, ao descrever a deterioração dos centros urbanos do país.

Gabo fazia praticamente tudo ali, lia, estudava, namorava, ia ao bilhar ou ao baile "La Hora Costeña", que tocava música caribenha no meio da rua e o fazia lembrar de casa. A música ainda é presença constante, através dos aparelhos de som portáteis que os ambulantes levam às ruas para escutar vallenato (estilo musical popular colombiano).

Na manhã do dia 13 de setembro de 1947, Gabo estava num desses cafés, que ainda hoje vendem arepas e sucos típicos, quando viu alguém lendo o jornal "Espectador" diante dele, e se assustou ao ver o próprio nome impresso.

Finalmente, haviam publicado a sua primeira história, "La Resignación". Ele, porém, não tinha dinheiro para comprar um exemplar.

Sylvia Colombo/Folhapress
Placas em memória do líder político Jorge Eliécer Gaitán, próximo de onde vivia García Márquez
Placas em memória do líder político Jorge Eliécer Gaitán, próximo de onde vivia García Márquez

Turistas tiram fotos, e um guia colombiano explica num inglês pausado a história de Gaitán, diante do local onde foi morto. "Ele era populista, mas de um jeito diferente, não como Hugo Chávez", explica o rapaz ao grupo de europeus com ar curioso. Para o biógrafo Martin, o fato de ter presenciado a violenta reação ao assassinato do líder político fez do autor de "Cem Anos de Solidão" um escritor engajado e preocupado com a paz em seu país.

Curiosamente, hoje, a paz ainda é o tema principal na Colômbia. Ao lado do local onde se pregaram placas em homenagem a Gaitán, estão cartazes lambe-lambe com as fotos dos candidatos à eleição presidencial, no próximo dia 25. Agora como antes, a paz é o grande tema da campanha, e o atual presidente espera reeleger-se tendo como bandeira um processo de negociação de paz em andamento com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Ao longo da carrera 7ª, as livrarias parecem que competem para ver quem coloca mais livros de Gabo na vitrine. E na Virgilio Barco, uma das bibliotecas públicas de Bogotá que são um modelo internacional, crianças realizaram uma homenagem, escrevendo mensagens em pequenas imitações de papel das mariposas amarelas de "Cem Anos de Solidão". Numa delas se lia: "Adeus, Gabo. Obrigada. Que dê tudo certo para você no céu."

A jornalista viajou a convite da InvestinBogotá


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