Folha de S. Paulo


Artista brasileira Lygia Clark ganha primeira grande mostra nos EUA

A artista brasileira Lygia Clark (1920-1988) iniciou em 1966, quando estava radicada em Paris, uma série de trabalhos criados a partir de objetos triviais como luvas, sacos plásticos, pedras, conchas do mar, água e elásticos.

Esses objetos "sensoriais" pareciam anunciar uma ruptura com a obra anterior, que se inscrevia no processo evolutivo do construtivismo no Brasil —da pintura geométrica a seus desdobramentos em relevos e esculturas.

Lygia aprofundaria essa experiência nos anos seguintes, com uma parafernália de obras voltadas ao que seria um processo terapêutico.

Divulgação
Baba Antropofágica', obra de Lygia Clark dos anos 1970
'Baba Antropofágica', obra de Lygia Clark dos anos 1970

Essa fase foi considerada por ela mesma como uma espécie de "abandono da arte".

É esse o título da retrospectiva que o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) inaugura no sábado. Com cerca de 300 trabalhos da artista brasileira cuja obra é recordista de valor já alcançado em leilão, "O Abandono da Arte" é a primeira grande exposição de Lygia nos EUA.

Editoria de Arte/Folhapress

A mostra, que será objeto de um documentário de Daniela Thomas, divide-se em três núcleos. O primeiro reúne as pinturas iniciais, na maioria associadas ao abstracionismo geométrico e ao concretismo. O segundo núcleo explora o período do chamado neoconcretismo (entre 1959 e 1966), quando a artista parte para obras tridimensionais e participativas.

É dessa fase a série "Bichos", estruturas formadas por planos metálicos articulados com dobradiças, que o público é convidado a tocar para mudar a configuração. Também são do período os "Trepantes" e "O Dentro é o Fora", esculturas inusitadas em metal e borracha cuja origem é o inovador e seminal "Caminhando," de 1964.

Nessa obra, a artista propunha ao público que recortasse, até a mais fina largura, bandas de papel coladas para formar a clássica "fita de Moebius", forma circular obtida pela união das duas extremidades, depois de se dar uma meia-volta numa delas.

Por fim, o terceiro traz os objetos (máscaras, invólucros, roupas) que marcam o suposto "abandono da arte".

Num andar à parte, mas ligado a esse conjunto, foi instalado um ambiente penetrável, concebido para a Bienal de Veneza, em 1968, com o sugestivo título de "A Casa é o Corpo".

As peças desse conjunto precisam ser "ativadas" pelo observador, que deixa a posição de sujeito externo para vivenciá-las com o corpo. As obras são, nesse sentido, não as "coisas" que se veem, mas a experiência física e psicológica que propiciam.

NOSTALGIA DO CORPO

Luis-Pérez Oramas, um dos curadores, ao lado de Cornelia Butler, prefere evitar a divisão do trabalho da artista em duas etapas distintas —uma mais convencional e outra que representaria uma "ruptura" com a arte.

Ele considera que o "abandono da arte" é também arte —mas "de uma maneira negativa", como se a artista tivesse arquitetado uma "ausência da arte dentro da própria arte".

Mais do que passar de uma linguagem para outra —da pintura para o tridimensional ou para os objetos— ele acredita que a questão fundamental de Lygia sempre foi marcada pela ideia de "nostalgia do corpo" —expressão criada por ela mesma.

Seria esse sentimento, presente desde o início, a verdadeira "obsessão e o motivo de sua arte, a questão que ela parece ter lançado, elaborado, revisitado e transformado incessantemente em seu trabalho, e que constitui, hoje, o seu legado".

Como ela mesma registrou em 1974, seu processo teria sido "uma tentativa de unir arte e vida". "Eu vejo com mais clareza que meu problema era puramente existencial. Se eu comecei com a pintura, isso foi simplesmente o ponto de partida que estava mais prontamente disponível."


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