Folha de S. Paulo


'O que é um filme gay? Não sei', diz Wagner Moura

Wagner Moura vê uma dimensão política em "Praia do Futuro", filme que estreia no dia 15. Ele considera que falar de uma relação homossexual como se fosse uma relação heterossexual ajuda a eliminar preconceitos.

"É assim que falo dos amigos gays para os meus filhos. 'Ah, o tio e aquele outro são namorados?' 'Sim, igual a seu tio e sua tia'", conta o ator.

Wagner Moura prevê reação moral ao seu personagem gay em novo filme

Outra dimensão é a da dramaturgia. Para Wagner, não é justo resumir o drama de seu personagem, Donato, à questão de ser ou não ser gay. "Ele tem uma complexidade muito bonita, que discute identidade e pertencimento. Não é um filme sobre um cara que vai para Alemanha para ser gay e ficar em paz."

Wagner dá o exemplo de uma jornalista russa que, no último Festival de Berlim, disse ter se emocionado com a questão da homossexualidade em "Praia do Futuro".

"Se tiver essa leitura, que tenha. O que é um filme gay? Não sei. Se o filme, lá na Rússia, onde tem aquele escroto do Putin, ou aqui, onde as pessoas matam gays pra caramba, puder ajudar de alguma forma, acho legal. Mas ele não foi feito para isso."

ARTISTA POPULAR

A maior preocupação de Wagner é com o alcance de seus filmes: quer que sejam vistos pelo maior número possível de pessoas. "Gosto de ser um artista popular. Isso de fazer filme só para o pessoal do cineclube entender, puxa, acho isso muito caído."

Ele considera, entretanto, que se "Praia do Futuro" chegar a 200 mil espectadores já será um grande sucesso.

Adriano Vizoni/Folhapress
Wagner Moura na piscina de hotel paulistano depois de conceder entrevista à Folha
Wagner Moura na piscina de hotel paulistano depois de conceder entrevista à Folha

O ator torce pelo recém-lançado "Getúlio". Wagner acha que, se um filme histórico sobre um político for bem nas bilheterias, ajudará a quebrar a história de que só as comédias fazem sucesso.

"Não torço contra as comédias. O que me incomoda é dizer que quando uma coisa é popular começa a perder valor artístico. Há um pensamento assim, uma idiotice."

Ele sabe o que é ser popular. Em 2007, estourou na TV, como o vilão Olavo na novela "Paraíso Tropical", e no cinema, em "Tropa de Elite".

Com tanto sucesso nessas duas frentes, resolveu voltar ao teatro, onde despontou no início da década passada, com a peça "A Máquina". Encenou então sua versão de "Hamlet", com temporada lotada.

Já tinha entendido que se sentia parte de uma geração identificada com a retomada do cinema nacional. Agora, quer aproveitar o que considera um momento muito bom. Gosta de rodar filmes com diretores estreantes.

"É uma galera nova, que gera diversidade", citando os jovens cineastas que exibem filmes na Mostra de Tiradentes (MG). "Mas eles devem achar que sou 'mainstream' demais."

Wagner não consegue ler todos os roteiros que recebe. "Sabe aquele que o cara diz o nome, fala que conseguiu meu e-mail com alguém e manda o roteiro que escreveu? Esse eu não leio. Não dou conta", diz, explicando que só dá atenção aos que são recomendados por amigos diretores e roteiristas.

"Ou se quem enviar for aquele cara que fez um curta incrível que bombou. Aí vale a pena ler o que ele mandar."

Wagner diz que se dá bem com o ritmo demorado das produções cinematográficas. Teve a ideia de fazer "Marighella" no final de 2012. Comprou os direitos da biografia do militante, escrita pelo jornalista Mário Magalhães.

O plano era rodar em 2015, mas foi preciso adiar, em função do contrato com o Netflix para atuar em duas temporadas de "Narcos".

Segundo ele, muita gente não tem paciência para esse ritmo do cinema.

Wagner diz que o diretor que é produtor -"uma coisa comum no Brasil"- acompanha essa saga desde a ideia, ou da compra dos direitos. Aí vem o roteirista, faz a parte dele, e o diretor segue. "Entram os atores para a filmagem, aquela bagunça!"

"Acabou de filmar, todo mundo vai fazer suas coisas, menos o diretor. Ele vai editar o filme com o montador. E o diretor ainda vai mostrar o filme nos festivais, tomar porrada da imprensa, discutir..."

Segundo ele, é tanta dedicação que o filme se transforma em um filho. "O fracasso, o sucesso, uma crítica negativa, eu imagino que para um diretor deva ser uma coisa bem dolorosa. Aquilo vira algo muito pessoal."

"Marighella" vai custar R$ 10 milhões. Mostra o guerrilheiro de 1964 até 1969, quando foi morto. "Vamos filmar em Cuba, tem muita cena de ação. Eu gosto de pensar nele como um filme de ação para adultos, com personagens complexos."

OUTRA GERAÇÃO

Wagner acha difícil sua geração entender o sentido de entregar a vida a uma causa coletiva. "Sem querer parecer piegas, havia um comprometimento com o coletivo nos anos 1960, 1970, especialmente dos jovens, que não faz muito sentido hoje. Os caras iam para a clandestinidade, muitos morriam, eram torturados, abdicavam de vida pessoal, de carreira, filhos, porque acreditavam numa coisa."

Quer fazer "Marighella" com colegas de geração, "para entender como pensavam os caras daquela época".

"É um filme sobre sacrifício. Ele tinha uma visão aguçada do futuro, com muita lucidez, um dos únicos a entender, antes do golpe, que a chapa ia esquentar muito. O herói que eu gosto de ver é esse, o que caminha para um destino trágico com altivez."

Enxergando hoje uma geração despolitizada, "alienada mesmo", reclama de um sistema político viciado, um Legislativo sem crédito com a população. Diz que sempre abre seu voto, mas ainda não sabe quem vai apoiar.

Fala com carinho de Marina Silva, mas ainda não está convencido a votar em Eduardo Campos (PSB), que encabeça chapa com ela. Não vota em Aécio Neves (PSDB) nem em Dilma Rousseff (PT).

"Toda a fragilidade que o PT já tinha no governo anterior, mesmo com o mensalão, era mascarada pelo carisma de Lula", diz, acrescentando que vê Dilma sem competência política ou administrativa.

Wagner afirma acreditar na política partidária. Diz se orgulhar de ter apoiado Jean Wyllys (PSOL) para deputado. "Agora não sei em quem votar, isso me angustia."

Em julho, Wagner toma distância da cena política brasileira. Começa a trabalhar na série "Narcos", toda rodada na Colômbia. São duas temporadas programadas, com seis meses de filmagem por ano em cada uma.

Será o primeiro trabalho em espanhol do ator, que não se sente à vontade atuando em outro idioma. "Elysium", que rodou com Matt Damon e Jodie Foster, foi difícil de fazer.

"Meu filho mais velho, Bem, diz: 'Pai, vamos fazer desse jeito que é mais fácil'. Respondo: 'Não, vamos fazer assim que é mais difícil'. A gente só aprende com o mais difícil."

As pessoas estão me perguntando como é a preparação para compor o personagem do Pablo Escobar, como é fazer um traficante e tal. Eu acho graça e digo a elas que ainda estou na 'fase um'. Estou aprendendo espanhol, cara!

PROJETOS DO ATOR

'NARCOS'
As pessoas estão me perguntando como é a preparação para compor o personagem do Pablo Escobar, como é fazer um traficante e tal. Eu acho graça e digo a elas que ainda estou na 'fase um'. Estou aprendendo espanhol, cara!

'MARIGHELLA'
Ainda não tenho elenco. Estou trabalhando o roteiro com o Felipe Braga. Ia rodar em 2015, mas agora, depois de assinar para duas temporadas de 'Narcos', só vou rodar o filme em 2016. Quando vou lançar? Não sei.

'FELLINI BLACK AND WHITE'
Isso nunca me aconteceu antes. O diretor morreu, era um projeto pessoal dele [Henry Bromell]. Eu faria o Fellini na primeira viagem dele a Los Angeles. Até indiquei alguns diretores para o produtor, mas não sei se vai sair.

BIOGRAFIA DO EDIR MACEDO?
Ah, cara, já me colocaram no papel de um monte de gente. Silvio Santos, Chacrinha... Insistem em soltar essas histórias. Eu tenho um projeto com o Karim, porque a gente quer tentar entender as igrejas evangélicas, a figura do pastor. Mas aí a imprensa já fala que eu vou fazer o papel do Edir Macedo no cinema. A Record deu isso. Vamos tocar esse filme um pouco mais pra frente.

O 'FILME DO BOZO'
Não é invenção, o projeto existe, com amigos, focando num dos atores que interpretou o Bozo. O Daniel Rezende deve dirigir. Mas é a velha história, estamos sempre ocupados com outras coisas. Um dia a gente faz.


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