Folha de S. Paulo


Miguel Rio Branco exibe obra 'marginal' em São Paulo e no Rio

Miguel Rio Branco faz uma fotografia suja -às vezes de tinta, às vezes de sangue. E quase sempre encharcada de sexo e suas pegadas viscosas.

Isso porque nas mãos e na cabeça do artista fotografar nunca foi um ato estanque. Está preso à transparência do cinema, como ele costuma dizer, e sempre foi extensão da pintura, por bem ou por mal.

Numa grande mostra agora na Estação Pinacoteca, em São Paulo, Rio Branco revê toda a sua obra plástica em chave metamórfica, de seus primeiros -acanhados- experimentos com a pintura dos anos 1960 às suas instalações mais recentes, com projeções de fotografia sobre tecido e estranhos objetos metálicos.

Na raiz de tudo, parecem estar duas de suas séries mais célebres, uma mostrando a zona do baixo meretrício nos arredores do Pelourinho, em Salvador, e a outra em que retrata lutadores de boxe como se fossem estátuas barrocas, tingidas de sangue, numa academia da Lapa, no Rio.

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Fotografia de Miguel Rio Branco em mostra na Estação Pinacoteca ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Fotomontagem "Valfort", de Miguel Rio Branco, em mostra na Estação Pinacoteca

"Nos dois casos, são bairros boêmios, com uma arquitetura parecida. Eles têm aquela coisa meio marginal", diz Rio Branco, 68. "Isso é muito da minha identidade. Sem ter uma raiz fechada, ainda me sinto um marginal."

Estranho ouvir isso da boca de um dos artistas mais consagrados e celebrados do país. Mas Rio Branco ataca o que chama de "exageros conceituais" na fotografia, que para ser aceita no meio das artes visuais carece, na opinião dele, de um discurso carregado, que afoga a imagem.

Daí sua ode à sujeira. Rio Branco despreza leituras conceituais da própria obra. E suas fotografias se mostram cruas, escancaram aquilo que retratam sem cerimônia ao mesmo tempo em que arquitetam uma visão mais ampla e saturada da realidade.

"Negativo Sujo", uma das primeiras séries do artista, que não era exibida desde os anos 1970, é um exemplo disso. São grupos de imagens coladas em folhas de papel suspensas do teto, de carcaças sangrentas de vacas a prostitutas com os seios à mostra.

"É uma coisa brasileira, violenta e sexual ao mesmo tempo", diz Rio Branco. "Essa série é a imagem da pobreza, da dureza, o bangue-bangue brasileiro, onde o país aparece mais cru e doído."

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Fotografia de Miguel Rio Branco em mostra na Estação Pinacoteca ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Fotografia "Corda", de Miguel Rio Branco, em mostra na Estação Pinacoteca

Mas há sedução na dor e na crueza. Outra sala da mostra, também com imagens do Pelourinho e da Lapa, fica mergulhada na escuridão, iluminada por fracas lâmpadas que pendem do teto, e cheia de espelhos trincados.

Uma canção de cabaré, na voz de Fred Astaire, inunda a sala, e as fotografias vão para um segundo plano, com os reflexos dos espectadores tomando a dianteira nos espelhos estilhaçados pelo chão.

"Isso tem a ver com o cinema e com o teatro. Meu trabalho é híbrido", diz o artista. "Já me disseram que faço música com a minha fotografia. Eu tento é criar ritmos."

E eles vão do pancadão sangrento das primeiras salas da mostra, de pugilistas e carcaças, à melancolia mais lírica dos últimos ambientes.

Lá estão imagens de tubarões impressas sobre retalhos de seda, que balançam com o passar dos visitantes, e imagens que ele fez em Tóquio, de meninas, plantas e bares de karaokê quase sempre dominadas por tons de azul.

"É outro o clima", diz Rio Branco. "Não tem nada de violência, mas todas as obras se conectam por uma intensidade interna, dramática."

FANTASMA DO CORPO

Outra mostra do artista, agora em cartaz na Casa França-Brasil, no Rio, também tem obras com essa intensidade oculta contrapostas a outras bem mais explícitas.

De um lado, estão para-brisas cravejados de balas de revólver, enquanto outra sala exibe uma só imagem, um grande espaço vazio. Nada acontece, a não ser a música.

No caso, um tilintar de sinos que Rio Branco gravou numa tourada na Espanha -o som dos touros entrando na arena momentos antes do confronto com o homem.

"Essas conexões é que desarmam o real da fotografia", diz o artista. "Tento sempre desconstruir as coisas, criar outros discursos. No lugar do corpo, o fantasma do corpo."

MIGUEL RIO BRANCO
QUANDO em SP, de ter. a dom., das 10h às 17h30, qui., das 10h às 22h; até 19/7; no Rio, de ter. a dom., das 10h às 20h; até 14/5
ONDE em SP, Estação Pinacoteca, lgo. Gal. Osório, 66, tel. (11) 3335-4990; no Rio, Casa França-Brasil, r. Visconde de Itaboraí, 78, tel. (21) 2332-5120
QUANTO R$ 6 (SP); grátis (Rio)


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