Folha de S. Paulo


Crítica: Obras retratam autismo nas visões de portador e de especialista

Com o crescimento dos diagnósticos de autismo, aumentam os lançamentos de livros sobre o tema. Estão saindo no Brasil dois praticamente opostos entre si.

"O Que me Faz Pular" foi escrito pelo japonês Naoki Higashida quando ele tinha 13 anos —hoje tem 22. É um daqueles raros relatos produzidos por quem está no espectro do autismo, transtorno caracterizado por problemas de comunicação, socialização e comportamento repetitivo.

Assim como a canadense Carly Fleischmann, sensação na internet, Higashida tem fala precária, mas consegue organizar bem seu pensamento por meio da escrita. Este aparente paradoxo é um dos mistérios da mente autista.

Seu texto, escrito com auxílio de um alfabeto de papelão e depois passado para o computador, não tem pieguice ou autocomiseração. Mas também não tem ambições estilísticas. Cumpre a função de informar o que sente uma pessoa com autismo. E isso não é pouco.

Para alguém que convive com um autista, é precioso ler por que ele fala e faz tantas vezes as mesmas coisas; como tem dificuldade de controlar o próprio corpo, desconforto que o ato de pular atenua; e como, ao contrário do lugar-comum, não gosta de ficar sozinho. "A verdade é que amamos ter companhia. Mas, como as coisas nunca dão certo, acabamos nos acostumando com a solidão sem sequer perceber como isso aconteceu", escreve.

Sob uma estrutura quase simplória, com capítulos de uma ou duas páginas, o livro tem passagens tocantes, como a dor que Higashida sente por não conseguir falar. "É como ser um boneco que passa a vida toda em isolamento, sem sonhos ou esperanças."

Na introdução, o escritor irlandês David Mitchell, pai de um autista, alfineta as obras teóricas sobre o tema.

"Claro que é uma coisa boa que especialistas estejam pesquisando o assunto, mas a lacuna entre a teoria e o que está se desenrolando no chão de sua cozinha é muito difícil de cobrir."

Como boa parte de seus colegas, o psicanalista francês Éric Laurent não demonstra, em seu "A Batalha do Autismo – Da Clínica à Política", ter muito conhecimento do que se passa nas casas de famílias que convivem com o transtorno. Embora diga lidar há 30 anos com o tema, não cita nenhum exemplo vivido em seu consultório, apenas experiências alheias.

Aborda bem alguns aspectos de interesse amplo, mas está escrevendo mesmo é para seus pares, não para familiares de autistas.

Quando diz coisas como "falar não é um ato cognitivo, é um arrancamento real", tripudia, involuntariamente, dos pais que sofrem todos os dias ao ver que seus filhos, mesmo querendo, não conseguem produzir uma frase.

Laurent faz um livro de militante. Procura defender a França, onde a psicanálise luta para se manter hegemônica no tratamento do autismo, da invasão comportamentalista anglo-saxã.

E faz bons ataques à inflexível corrente adversária, mas só oferece como alternativa a modorra da clínica psicanalítica, que parece tratar os autistas como objetos de estudo, não como pessoas com um mundo real a enfrentar.

É sintomático que só uma vez seja citado o nome de Bruno Bettelheim, principal propagador nos anos 1950 e 1960 da ideia de que mães supostamente frias provocavam o autismo em seus filhos. Laurent desvia do anátema para proteger o seu discurso.

LUIZ FERNANDO VIANNA é coordenador de internet do Instituto Moreira Salles

O QUE ME FAZ PULAR
AUTOR Naoki Higashida
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 19,90 (190 págs.)
AVALIAÇÃO bom

A BATALHA DO AUTISMO
AUTOR Éric Laurent
EDITORA Zahar
QUANTO R$ 49,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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