Folha de S. Paulo


Transgressão de celebridades deixa de ser idolatrada

Os escândalos protagonizados por Justin Bieber, no ano passado, parecem pueris diante daqueles na trajetória de Keith Richards. Mesmo assim, reprovamos Bieber por suas transgressões, mas glorificamos Richards pelas dele. E os músicos, obviamente, estão longe de ser uma categoria da qual se espera um comportamento exemplar.

"Se alguém fosse preso por dirigir alcoolizado", escreve Robert J. Wagner sobre a velha Hollywood em seu novo livro de memórias, "You Must Remember This" [Você precisa lembrar disto], "havia um sinal mudo, talvez um pequeno suborno em dinheiro, e o assunto estava encerrado".

A tendência a admirar artistas desordeiros, libidinosos e autodestrutivos pode estar chegando ao fim. Além disso, eles não estão mais se comportando tão mal. A culpa é do poder da internet de deixar as pessoas envergonhadas e de registrar tudo para a posteridade.

Vidhya Nagarajan/The New York Times

Quem escreve sobre os famosos também precisa ter boa conduta. Um repórter de vida desregrada como Hunter S. Thompson nos anos 1970 dificilmente teria reportagens publicadas regularmente pela "Rolling Stone" na década de 2010.

Cat Marnell, 31, é a rara jornalista que parece ser mais tema de reportagens do que autora. A mídia em Nova York, onde ela mora, deu ampla cobertura a suas experiências com drogas. Marnell trabalhou em alguns veículos de comunicação, mas nunca ficou muito tempo em nenhum deles. Ela relatou ao "New York Post": "Eu não conseguiria passar mais um verão cumprindo prazos à noite atrás do computador, quando poderia estar na cobertura do Le Bain olhando estrelas cadentes e fumando angel dust com meus amigos ou escrevendo um livro".

Especula-se que Marnell vendeu um livro de memórias por US$ 550 mil. Ela é dúbia sobre o tema da obra. "Como alguém que teve overdose e quase morreu em setembro, eu luto para achar o tipo de tom que quero", disse. No entanto, ela reconhece: "As pessoas gostam de mim porque sou má".

"Quando tive uma recaída, comecei a escrever sobre isso e foi assim que ganhei tanta popularidade. As drogas são ruins, mas ainda têm um lado divertido."

Historicamente, no imaginário coletivo, o escritor era um fumante e bebedor de uísque inveterado, que já se divorciara três vezes e ficava polemizando com seus desafetos em um boteco na penumbra. Agora ele é um iogue casado que tuíta enquanto compra couve no supermercado.

Os fumantes, que outrora tinham uma aura de sofisticação, hoje em dia se juntam na porta dos bares, parecendo viciados que precisam de uma dose urgente.

Na época em que atingiu a maioridade, o escritor Jay McInerney idolatrava Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e William Faulkner, todos com um notório apego ao álcool —assim como o que ele chamou de "a geração de prata" de bebedores compulsivos, como Norman Mailer, John Cheever e William Styron.

Quando McInerney publicou seu romance de estreia, "Brilho da Noite, Cidade Grande", em 1984, seguido um ano depois por "Abaixo de Zero", de Bret Easton Ellis —que respectivamente abordavam Manhattan e Los Angeles na época do presidente Reagan—, "as drogas faziam parte de um rito de passagem" para jovens escritores, disse ele.

Glamorizando o hedonismo, eles não mencionam os aspectos sombrios, incluindo os da cocaína. McInerney, 59, agora tem uma coluna no "Wall Street Journal" sobre um produto inebriante menos letal: vinho. "Tive a sorte de sobreviver a meus excessos", disse ele. "Sinto-me como uma espécie extinta."

Outra espécie em vias de extinção é o Casanova. Com mais conscientização geral sobre doenças sexualmente transmissíveis e aplicativos como o Lulu, hoje um grande número de pessoas deu um basta à promiscuidade sexual.

Adelle Waldman, autora da novela "The Love Affairs of Nathaniel P." [Os romances de Nathaniel P.], achou engraçado que tantos leitores tenham detestado seu personagem, um jovem escritor narcisista que é negligente com as mulheres de sua vida.

Em comparação com os protagonistas misóginos nas obras da "geração de prata", as atitudes dele parecem dóceis. Waldman sente "nostalgia do passado mais decadente", disse ela. "Às vezes, sinto falta de um pouco mais de embriaguez e de pessoas, especialmente as criativas, falando coisas politicamente incorretas."

Em um contato feito de manhã após uma noitada, porém, ela mudara de opinião —pelo menos temporariamente—, pois estava "com um pouco de ressaca", conforme confessou. "Agora sou contra o mau comportamento", disse ela, "e a favor de um limite rígido de apenas dois drinques."


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