Há um problema no fato de que, antes mesmo de a leitura de "Dias Perfeitos", de Raphael Montes, começar, uma propaganda na capa do livro já crie uma expectativa elevada, ao anunciar que se trata de um escritor jovem, premiado e que, segundo Scott Turow, redefinirá a literatura policial brasileira antes de conquistar o mundo.
Parece que não importa muito que o livro não seja exatamente "policial" nem que Scott Turow não esteja entre aqueles escritores conhecidos por seu apurado senso crítico.
Teria sido mais proveitoso para o autor se houvesse algum gasto editorial de energia em aprimorar a linguagem da obra, em desautomatizar as sentenças sempre curtas e a quebra de parágrafos a cada poucas linhas, como se houvesse um lei obrigando a isso, em impedir que trechos tão calcados em clichês, como o seguinte, fossem adiante: "Em sua companhia, a imaginação não tinha limites. O mundo desaparecia e só restava ele. Ele e ela. Gertrudes".
Karime Xavier / Folhapress | ||
O escritor Raphael Montes posa em hotel de São Paulo |
Ainda que o enredo não seja muito original (você já viu alguns filmes em que um rapaz aparentemente normal fica obcecado por uma moça e leva a obsessão a consequências extremas...), há momentos de construção cuidadosa de tensão, um interessante aproveitamento da paisagem do Rio de Janeiro e de seus arredores e alguns personagens secundários bem fundamentados (o mesmo não acontece com os protagonistas: a figura feminina, Clarice, se sustenta muito mais do que seu par, Téo).
Não sei se a literatura policial brasileira de fato precisa ser "redefinida".
Mas, se for esse o caso, isso aconteceu alguns anos atrás, em 1996, quando Luiz Alfredo Garcia-Roza publicou a primeira história do detetive Espinosa, "O Silêncio da Chuva", pela mesma Companhia das Letras.
Se alguém quiser lidar com loucura, violência e enigma na sociedade brasileira, talvez esteja ali um bom ponto de partida.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em 'O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (Globo).
DIAS PERFEITOS
AUTOR Raphael Montes
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 35 (280 págs.)
AVALIAÇÃO regular