Folha de S. Paulo


O melhor do artista Salvador Dalí será exposto no Brasil

Um dos maiores mestres do surrealismo, Salvador Dalí plasmou um universo único, de relógios que derretem, formigas que brotam de lugares improváveis, corpos mutantes e muito sexo. É esse Dalí, no auge de seus poderes inventivos, que estará em duas mostras no Brasil.

Depois de arrastar quase 800 mil pessoas ao Pompidou, dois anos atrás, em Paris, o artista espanhol, morto aos 84, em 1989, terá mais de cem obras, entre pinturas e gravuras do auge de sua fase surrealista, expostas a partir de maio no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, e em outubro, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

Embora tenha inventado outros mundos, Dalí via todos os dias das janelas de sua casa no litoral catalão, onde pintou boa parte de suas telas, as ondas do Mediterrâneo lambendo os rochedos que saltam da água em Cadaqués, balneário na fronteira entre Espanha e França.

Tinha um espelho refletindo o mar na altura da cama, para que despertasse com os primeiros raios de sol. Dentro de casa, acumulou um zoológico de bichos empalhados, entre cisnes, bodes e ursos, além de objetos cênicos para suas telas —verdadeiros alicerces de um universo fantástico.

Esse choque entre a realidade e o delírio parece ter sido o motor de uma produção plástica que está entre as mais importantes do século 20.

"Sua obra é uma provocação, fala de magia e mistério", diz Montse Aguer, uma das curadoras da mostra, orçada em R$ 9 milhões. "São maneiras distintas de olhar para a realidade, o desejo insatisfeito do homem diante de uma beleza convulsiva."

De certa forma, Dalí estruturou sua obra em torno do desejo doentio que sentia pela mulher, Gala, que retratou como musa em muitas de suas telas e para quem chegou a comprar e reformar todo um castelo medieval nos arredores de Barcelona.

Um dos raros artistas de sua geração a conquistar fama e fortuna em vida, Dalí usou quase todo o dinheiro que ganhava com presentes extravagantes para a mulher, que aparece em algumas telas da exposição brasileira.

Mas Gala é uma presença mesmo nos quadros em que não é retratada. Num dos trabalhos mais fortes da exposição, Dalí pinta uma cama vazia, com os contornos deixados por um corpo e um formigueiro em seu lugar.

É um quadro em que ele primeiro retratou a paisagem marítima de Cadaqués, nos anos 1920, e depois, no fim da década seguinte, criou outra camada, acrescentando a cama e uma cadeira vazia no estilo surrealista que o consagraria.

"Ele usava essa paisagem como cenário, mas nela surgiam outros elementos", diz Jordi Artigas, responsável pela casa que Dalí construiu na praia a partir de antigas barracas de pescadores. "Sua paisagem vai desde algo difuso, como as planícies dessa região, a algo mais firme, concreto e menos abstrato."

Esse movimento coincide com sua ascensão ao panteão dos grandes artistas do século 20. De um impressionista tímido, Dalí se transformaria no mestre do surrealismo, um gênio excêntrico lembrado pelos olhos arregalados e bigodes indefectíveis.

"Ele foi um dos primeiros artistas a arquitetar a própria imagem e a usar isso para se promover", diz Aguer. "Fazia isso de modo sistemático."

Tanto que estrelou comerciais de carro sem saber dirigir e levou um cavalo coberto de joias até o quinto andar de um hotel em Nova York para atrair a atenção de jornalistas.

Sua cara, às vezes mais do que qualquer obra, ajuda a vender seu trabalho até agora. "O Dalí é um pintor reconhecido, o que gera demanda", diz Juan Manuel Sevillano, diretor da Fundação Gala-Salvador Dalí, que empresta obras à mostra brasileira.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da Fundação Abertis.


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