Folha de S. Paulo


Opinião: Ellen tentou vender festa 'espontânea'

A cada ano, a cerimônia de entrega do Oscar se torna mais enfadonha e previsível.

Anteontem, a premiação de uma das melhores safras de filmes dos últimos tempos foi um evento televisivo tedioso, com discursos ensaiados, poucas surpresas e uma apresentadora –a comediante Ellen DeGeneres- sem graça e mais interessada em fazer merchandise de celulares do que em fazer rir.

A única surpresa da noite foi a vitória de "A Um Passo do Estrelato" na categoria "melhor documentário", batendo os favoritos "O Ato de Matar" e "The Square".

De resto, foi tudo previsível, incluindo mais uma esnobada da Academia em Leonardo DiCaprio ("O Lobo de Wall Street"), que perdeu na categoria de melhor ator para Matthew McConaughey.
Parece que DiCaprio só vai mesmo levar um Oscar quando interpretar algum personagem que se redime no fim do filme, bem a gosto da caretice da Academia.

DeGeneres foi um fiasco. Para tornar a transmissão mais "espontânea", ela passou boa parte do tempo na plateia, se misturando aos astros e fazendo piadas sem graça, como dividir pizzas com Brad Pitt, Harrison Ford e Meryl Streep, numa tentativa de mostrar como eles são "gente como a gente".

Mas o Oscar não é um evento qualquer. É a celebração de uma certa "magia" do cinema, e o público quer ver astros que se comportam como astros, não como coadjuvantes de "sketches" cômicos.

Se a piada não fosse tão extensa –se alongou por vários momentos da cerimônia– poderia até ter sido charmosa, mas acabou constrangedora.

Mas o pior momento foi uma "selfie" –essa foto irritante que pessoas fazem delas mesmas– que Ellen tirou com um elenco estelar: Brad Pitt, Julia Roberts, Meryl Streep e Bradley Cooper, entre outros. A imagem logo bateu o recorde de "retuites", com mais de um milhão em uma hora, deixando para trás a imagem de Obama abraçado à esposa, Michelle, depois de vencer a eleição de 2012.

Tudo lindo e divertido, se não fosse um truque promocional. Assim que a imagem chegou às redes sociais, jornalistas de tecnologia afirmaram que não havia passado de propaganda de uma marca de celulares disfarçada de momento espontâneo. Se for confirmado, é o ponto mais baixo de beija-mão corporativo a que chegou o Oscar.

A cerimônia teve poucos momentos emocionantes. O discurso choroso da vencedora do prêmio de melhor coadjuvante, Lupita Nyong'o ("12 Anos de Escravidão") foi bonito, assim como a menção ao nosso Eduardo Coutinho, no tributo aos artistas que morreram no último ano. Dois momentos de brilho numa cerimônia chatíssima.

ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e diretor do programa "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", no Canal Brasil.


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