Folha de S. Paulo


Dinamarca vive momento cultural fértil, com três indicados ao Oscar

Com três filmes indicados ao Oscar deste ano, feito inédito no país, o cinema da Dinamarca vive um dos seus melhores momentos.

A produção do país nórdico, terra do cineasta Lars von Trier e de seu manifesto estético Dogma 95, criado em parceria com Thomas Vinterberg para defender um cinema puro e livre de artificialismo, vem conquistando público e festivais.

Neste Oscar, concorrem "A Caça" (filme estrangeiro), "O Ato de Matar" (documentário) e "Helium" (curta). Na categoria de filme estrangeiro, é a quarta indicação em oito anos. O drama "Em um Mundo Melhor", de Susanne Bier, levou a estatueta em 2011.

Efe
Adi Zulkadry e Anwar Congo durante sessão de maquiagem do filme 'O Ato de Matar
Adi Zulkadry e Anwar Congo durante sessão de maquiagem do filme 'O Ato de Matar'

A produção também tem se destacado com prêmios nos festivais de Cannes (diretor em 2011 para Nicolas Winding Refn, por "Drive", melhor ator em 2012 para Mads Mikkelsen, de "A Caça") e Berlim ("O Amante da Rainha" levou Ursos de Prata de melhor ator e roteiro em 2012).

APOIO ESTATAL
Ironicamente, quase 20 anos depois, a nova produção se distancia da era Dogma, com filmes mais "palatáveis" e menos autorais.

Em "A Caça", Vinterberg até se permite introduzir alguns recursos "proibidos" pelo manifesto, como a trilha sonora.

A virada em direção a produções "mainstream" é consciente e sustentada por forte apoio estatal. Um dos objetivos é fazer com que os filmes sejam "exportáveis".

"É uma questão de sobrevivência. Não podemos depender de um mercado doméstico de 5,5 milhões de pessoas", diz à Folha Peter Aalbæk Jensen, diretor-executivo e sócio de Lars von Trier na Zentropa, que produziu "A Caça" e "Ninfomaníaca" e faz cerca de cinco projetos anualmente.

"Não há experimentalismos ou grandes inovações [nas produções recentes do país]. São filmes que trazem histórias bem contadas, bons roteiros e atuações", diz Peter Schepelern, professor do departamento de mídia e cinema da Universidade de Copenhague.

Segundo Rikke Ennis, presidente da TrustNordisk, maior distribuidora de filmes da Escandinávia, o foco da produção tem sido em tramas de apelo "universal". "São histórias simples, mas com grandes e complexos personagens", afirma.

ENGRENAGEM

A nova onda do cinema dinamarquês começou a tomar corpo no início da década passada, com mudanças na gestão da agência estatal DFI (Danish Film Institute), que financia quase todos os filmes do país.

Na esteira do sucesso do Dogma, a entidade aumentou seu orçamento de 15 milhões de coroas dinamarquesas em 1998, para os atuais 70 milhões de coroas (cerca de R$ 30 milhões).

A produção saltou de seis a oito filmes por ano para os atuais 20 a 25, entre obras de ficção e documentários.

"O país percebeu que os filmes são uma boa forma de divulgar a Dinamarca no exterior", afirma Steffen Andersen-Møller, diretor de audiência e promoção da DFI.

Também pública, a escola de cinema National Film School completa a engrenagem, despejando mão de obra. Von Trier, Bier, Vinterberg e novos nomes como Tobias Lindholm, roteirista de "A Caça" e da popular série "Borgen", estudaram lá.

A generosidade do sistema de subsídio, no entanto, já recebeu críticas dos próprios cineastas locais. Em entrevistas recentes, Vinterberg afirmou que há trabalhos "medíocres" sendo feitos, e que ele gostaria de ver "mais coragem artística".

O público local, no entanto, parece aprovar a produção. Em 2013, sete títulos nacionais ficaram entre os 20 mais assistidos, correspondendo a 30% do total de espectadores no país. É um percentual semelhante ao da França.

No Brasil, as produções nacionais são 18% da bilheteria, segundo balanço preliminar da Ancine.


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