Folha de S. Paulo


"Matar Dexter seria maneira fácil de proporcionar emoção", diz roteirista

Oito temporadas depois e alguns meses após seu derradeiro destino, o serial killer Dexter, protagonista da série americana homônima segue fresco nas conversas e pensamentos de Scott Buck.

Principal roteirista e produtor-executivo da atração desde seu segundo ano, esse americano se diz realizado com o desfecho dado ao personagem, que desagradou a grande parcela de fãs.

"Os fãs querem uma resposta final que resolva tudo e, em algum nível, um final feliz. Para Dexter, as coisas sempre funcionaram do jeito que tinham que funcionar. As pessoas ao redor dele sempre morriam, mas ele sempre sobreviveu. Nós não queríamos terminar de uma maneira 100% satisfatória. Esse é um mundo de serial killers, as coisas nem sempre saem como deveriam", disse, em passagem pelo Rio, onde participou do 2º Programa de Roteiristas da Globosat.

O final não satisfatório do seriado incluía desde sempre a recusa em matar o personagem interpretado por Michael C. Hall.

Segundo Buck, essa solução era "uma maneira barata e fácil de proporcionar emoção". Além do mais, Dexter pode voltar em um especial ou filme.

"A razão pela qual eu não o matei é, primeiro, esse era um personagem muito importante para o Showtime [canal de TV americano]. É o maior personagem da emissora. [Ele pode voltar?] Quem sabe? Um dia, talvez. Mesmo que esse não seja o caso, na minha primeira aula de escrita criativa na faculdade, um professor dizia que uma coisa que não devíamos fazer era matar o protagonista, porque era algo que todos faziam e, por isso, precisávamos pensar um pouco mais profundamente. E, mesmo que matar o Dexter fosse um meio viável de terminar a série, eu quis pensar em algo um pouco diferente, um pouco além."

"Acredito que as pessoas podiam se identificar com ele de alguma forma", continuou. "Todos nós temos nossos defeitos. Esperançosamente, não somos assassinos, mas também fazemos coisas que, às vezes, desejaríamos ter mais controle e não fazer. Dexter é uma versão extrema da nossa pior faceta humana."

Randy Tepper/Divulgação/Showtime
Michael C. Hall e Charlotte Rampling no primeiro episódio da última temporada de 'Dexter'
Michael C. Hall e Charlotte Rampling no primeiro episódio da última temporada de 'Dexter'

A MORTE COMO TEMA

Além de "Dexter", Scott Buck também assinou por anos o comando de outro programa que girava em torno do universo da morte, a série "Six Feet Under" (2001-2005).

"'Six Feet Under' foi uma série que eu adorei fazer, porque a morte é algo que ninguém quer pensar a respeito. Ninguém quer confrontar, mas é uma parte tão importante da vida e acho que nós conseguimos apresentar o tema como um bom entretenimento. Meus pais não eram muito fãs. Eles estavam muito felizes que eu estava trabalhando. Mas, sabe, tem algumas gerações que não se relacionam bem com certos temas."

Apesar dos temas pesados, contudo, ele se descreve como um roteirista de comédia. "'Six Feet Under', por exemplo, tinha um elemento muito forte de humor. "Roma" [2005-2007] também. E eu vejo 'Dexter' como uma comédia de humor negro. Claro que, no final, começou a ficar um pouco mais realista, um pouco mais difícil de fazer graça, mas, como escritor, a comédia é o que eu me sinto melhor em fazer. Escrever personagens que poderiam estar em uma comédia ou drama, mas em algum lugar no meio disso."

Assinou ainda as bem-humoradas séries "Everybody Loves Raymond" (1996-2005), "Nikki" (2000-2002) e "Coach" (1989-1997).

NOVAS PRODUÇÕES

Atualmente, Scott Buck se diz telespectador da policial "True Detectives" (HBO), "Justified, "Louis" e Homeland". "Estou ansioso para o retorno de 'Mad Men'. Tem uma fila de séries que eu ainda quero ver."

Afirma ver com bons olhos iniciativas como a da Netflix em também produzir conteúdo e disponibilizá-lo de uma só vez.

"É interessante. Li num jornal que 'House of Cards' era o programa de sucesso mais não-falado do momento. Porque, geralmente, quando a série é exibida no domingo à noite, todos estão falando sobre ela na segunda de manhã. Mas 'House of Cards' cada um assiste em um tempo diferente. Você não sabe se seu amigo já viu. Para mim, como roteirista, não sei se vai fazer muita diferença a maneira de consumo. Muitas pessoas assistiram à 'Dexter' de uma só vez, pois chegaram na série um pouco mais tarde. Fizeram o download e a assistiram. Eu certamente já fiz isso."

Mesmo assim, faz ressalvas sobre o uso de celulares ou tablets. "Não é a maneira ideal de assistir. Certamente, prefiro que o espectador pare e assista ao programa em uma TV de bom tamanho, sem fazer mais nada. Nossos fotógrafos passam por muitos problemas para ajustar a iluminação e submeter esse esforço a uma tela de um celular é difícil"

BRASIL

Para os roteiristas nacionais, ele sugere o foco em bons personagens.

"Não conheço muito sobre a produção brasileira, mas o que parece ser mais importante para mim é que vocês se distanciem da telenovela. E façam mais programas como 'Mad Men', "Breaking Bad" e "The Sopranos", que são mais focados nos personagens e para mim é o que eu estou sempre interessado. Bons personagens. Norte-americanos gostam de TV boa, não acho que as pessoas liguem de onde veio. Se é bom, todos querem ver."

E conclui: "Não é importante gostar dos personagens, é mais importante achá-los interessantes. Dexter tinha algum lado bom, Tony Soprano também e Walter White idem. Acho que você precisa se importar com o personagem de alguma maneira, mesmo com um vilão. Tendo a pensar, inclusive, as pessoas gostam de vilões mesmo na vida real delas".

O jornalista ALBERTO PEREIRA JR. viajou a convite da Globosat.


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