Folha de S. Paulo


'Meu cão é mais digno que integrantes de realities', diz ator Gary Oldman

Na década de 90, Gary Oldman era uma espécie de Johnny Depp. Talentosíssimo, tornou-se imã de personagens sombrios desde que viveu o ícone punk Sid Vicious em "Sid & Nancy", de 1986 —mais ou menos como Depp após "Edward Mãos de Tesoura" (1990), uma homenagem a um ícone pós-punk, o gótico Robert Smith (The Cure).

O inglês ganhou credibilidade no cinema indie e emendou uma sequência de longas interessantes, como "Um Tiro de Misericórdia" (1990), "JFK - A Pergunta que Não Quer Calar" (1991) e, claro, "Drácula de Bram Stoker" (1992).

Tanto Depp quanto Oldman tiveram seus anos "selvagens", namorando colegas (teriam Winona Ryder em comum) e modelos (Kate Moss) e andando com rockstars (Keith Richards, David Bowie). Eventualmente, a dupla fazia um longa comercial —"Enigma do Espaço" de um lado, "O Quinto Elemento" do outro. Mas o "estranho Johnny Depp" virou o "astro Johnny Depp" depois do sucesso de "Piratas do Caribe" (2003), que elevou o salário do ator para US$ 20 milhões.

Gary Oldman não teve a sorte de encontrar uma galinha dos ovos de ouro à altura de Jack Sparrow —chegou a emprestar a voz para diversos games para ganhar uma grana extra nos anos 2000 e passou a ser mais conhecido pelos vilões exagerados. Mas, ironicamente, ele virou o ator com a carreira de maior bilheteria de todos os tempos. E sem muito esforço: como coadjuvante em franquias como "Harry Potter" (US$ 7,8 bilhões), "Batman" (US$ 2,5 bilhões) e "Kung Fu Panda" (US$ 665 milhões).

"Por um breve momento, Samuel L. Jackson tomou meu lugar por causa de 'Os Vingadores', mas logo recobrei a posição", brinca o inglês, que agora tenta manter o reinado ajudando a atrair público para o remake de "RoboCop", de José Padilha, que estreia nesta sexta-feira (21) e já ultrapassou os US$ 100 milhões em todo o mundo. "Esses números não significam nada além de uma estatística. Eu sempre digo para as pessoas que estou rico por dentro."

Não que ele não tenha tentado ganhar dinheiro fácil. Em 2001, participou de dois episódios de "Friends" como um ator famoso que contracena com Joey, personagem de Matt LeBlanc. "Fiz a participação em uma semana, mal ensaiamos, comi um monte no set e ainda estava em casa às 9h da noite. Eu poderia me acostumar facilmente a essa vida, principalmente quando Matt me mostrou seu Lamborghini", confessa Oldman, que foi indicado ao Emmy pela ponta. "Eu poderia voltar à TV, mas queria fazer comédias de 30 minutos e não esses dramas de uma hora, porque seria o mesmo que trabalhar em um filme."

MUSEU DA DECADÊNCIA

Mas não o convide para uma participação em um "Big Brother" da vida. "Reality TV é o museu da decadência social. Você olha para aquelas pessoas e meu cão tem mais dignidade que elas", desabafa. "Você nota os modos daquele pessoal, não há mais elegância ou respeito pela cultura. É chocante como as pessoas falam umas com as outras. E isso está invadindo todos os espaços. Antigamente, beijavam os pés de Kurosawa. Agora, se vou em uma agência de talentos, os empresários perguntam: 'Aquele sujeito ainda está vivo?' Não sei onde vamos parar."

Oldman admite que amargura pode ser "reflexo da idade". Aos 55 anos, usa um iPhone, mas não tem muita destreza com o produto. "Se preciso fazer algo mais complexo, grito para meus filhos. Sou da geração analógica", revela o homem que interpreta um cientista biônico que cria o RoboCop na refilmagem de Padilha.

"É a luta do homem contra a máquina que vemos todos os dias. Você já parou em um farol e olhou para os motoristas ao lado? Eles todos correm para pegar o celular. Com quem estão falando? Não podem esperar? Nós costumávamos fazer isso. Eu nem tinha telefone na minha casa, precisava pegar uns trocados e procurar a cabine mais próxima."

Então, não espere o ator, um ídolo nerd, dono dos papeis de comissário Gordon e Sirius Black, se vangloriando no Facebook e Twitter. "Estamos todos conectados hoje, mas, ao mesmo tempo, estamos mais distantes. Estamos criando uma geração inteira de bullies, na qual todo mundo é crítico e fala coisas que nunca teria coragem de dizer na sua cara. É deprimente."

Apesar da visão pessimista, Oldman não reclama de sua posição na indústria —ele ainda reaparecerá neste ano na sequência "Planeta dos Macacos: O Confronto", como um dos líderes da resistência humana. "Eles arrumaram um bonitão australiano mais jovem [o ator Jason Clarke] para ficar correndo. Mas não me importo de fazer coadjuvantes. Protagonistas bons são cada vez mais raros", afirma o ator.

"Há uma geração nova de bons atores. Passei dos 50 anos, mas não quero fazer o papel de pai do 'Thor'. Sou muito jovem para usar uma barba e gritar: 'Filho, você será amaldiçoado!'."

Entre a "nova geração", Oldman deixa escapar por quem torcerá no próximo Oscar de melhor ator, categoria para qual foi indicado há dois anos por "O Espião Que Sabia Demais". "Você viu Matthew McConaughey em 'True Detective'? Uff, incrível. Quem imaginaria isso? Ele virou a carreira completamente em 'Clube de Compras Dallas'. Fiquei feliz por ele", exalta o londrino.


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