Folha de S. Paulo


Depoimento: Fernando Zarif tinha ideias incríveis e novidades

Fernando Zarif foi o pivô de memoráveis salões na São Paulo dos anos 1980 e 90.

Por seu apartamento-ateliê, no bairro do Itaim, passou parte considerável da cena cultural emergente da época. "Todo mundo" andou por lá.

Na maioria eram pessoas da mesma geração do anfitrião (que nasceu em 1960), mas também havia os mais velhos e os mais novos.

Músicos, compositores, atores de cinema, teatro e TV, diretores, cenógrafos, fotógrafos, videomakers, estilistas, poetas, críticos, jornalistas, escritores, artistas visuais, galeristas... Os nomes poderiam ocupar todo este espaço.

Só para dar uma ideia dos habitués, cito alguns: os então oito rapazes dos Titãs, Paulo Ricardo, Marisa Monte, Malu Mader, Fernanda Torres, Giulia Gam, Mauro Lima, Otávio Muller, Bia Lessa, Vania Toledo, Barbara Gancia, Alê Primo, Tunga, Jac Leirner, José Resende e André Millan.

Culto, inteligente, com um senso de humor fora do comum, Fernando tinha dom para ser um pouco disso tudo.

Escrevia, pintava, desenhava, fazia esculturas, obras gráficas, cenários, canções.

Aparecia com ideias incríveis para livros e roteiros, era um crítico afiado de tudo e também uma fonte inesgotável de novidades.

Ia da alta à baixa cultura, do "mainstream" ao "underground", do fino ao vulgar.

Viajava para Nova York, Tóquio ou Paris —que adorava— e, claro, voltava carregado de coisas. Ainda bem.

Não havia internet naquela época e o Brasil ainda era um país isoladão.

Conectado, ele tinha sempre um lance novo em casa para mostrar. Um disco desconhecido para tocar, um livro para comentar ou uma revista moderna para folhear.

Era um cinéfilo inveterado e acumulava montanhas de fitas de vídeo em seu quarto.

Zarif era uma nulidade para a vida prática convencional. Vivia de rendimentos de sua família, o que lhe propiciava uma existência aristocrática —mas intensamente produtiva.

Vida e arte andavam de mãos dadas em seu dia a dia.

Estava o tempo todo fazendo alguma coisa imaginosa, diferente, arriscada.

O esforço da família e dos amigos para reunir e trazer à luz sua produção artística é um reconhecimento afetivo —e necessário— da força criativa que ele emanava.

Embora tenha realizado exposições e trabalhos que se tornaram conhecidos, muito —mas muito mesmo— permaneceu à sombra.

Agora, enfim, esse vazio começa a ser preenchido.


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