Folha de S. Paulo


Remanescentes da Boca do Lixo se reúnem para realizar filme

"Ai, que delícia que era ser mulher-objeto", dispara a personagem vivida por Neide Ribeiro no filme "Memórias da Boca". Rodado em 2013 e hoje em etapa de finalização, o longa é o saldo da reunião de oito cineastas —sete dos quais que atuaram no extinto polo cinematográfico da Boca do Lixo.

A produção é composta de episódios curtos e independentes —três ficções e cinco documentários— que relembram o auge da região, entre os anos 1960 e 1980.

Na época, a área no entorno da rua do Triunfo, no centro de São Paulo, concentrou boa parte da produção cinematográfica paulista. De gêneros variados —do faroeste à pornochanchada, os filmes ali realizados adquiriram status folclórico após o fim do polo, consequência da inflação e do advento do videocassete no fim dos anos 1980.

Eduardo Knapp/Folhapress
Da esq. para a dir.: Alfredo Sternheim, Clery Cunha,Tony D´Ciambra, Jose Mojica Martins, Francisco Cavalcanti e Mario Vaz Filho
Da esq. para a dir.: Alfredo Sternheim, Clery Cunha,Tony D´Ciambra, Jose Mojica Martins, Francisco Cavalcanti e Mario Vaz Filho

"Não houve conceito único. Cada um resolveu fazer uma evocação à sua maneira", diz Alfredo Sternheim, 71, que filmou uma conversa fictícia entre duas ex-musas de pornochanchadas interpretadas por atrizes que realmente participaram dos filmes da época: Elizabeth Hartmann e Neide Ribeiro.

Editoria de Arte/Folhapress

Diretor de "Herança dos Devassos" (1979) e "Violência na Carne" (1981), Sternheim diz que não filmava há 22 anos. "Foi moleza com as câmeras digitais. Deu até para filmar com duas, o que era impossível na época por causa do preço dos negativos."

José Mojica Marins, 77, que rodou muitos dos filmes de seu Zé do Caixão no polo, optou por um documentário. Caipirinha na mão de unhas compridas, ele desce a rua do Triunfo e aponta, em meio a lojas de produtos eletrônicos, onde ficavam os bares e as sedes das produtoras.

Documentário também foi opção de Mário Vaz Filho, 65, que lembrou uma produtora idealizada por cineastas locais; e de Clery Cunha, 74, que contou os bastidores de "Joelma 23º Andar" (1980).

Um encanador acaba indo parar por engano em um bordel na ficção de Antônio Ciambra, 66, com piadas de duplo sentido, mas sem nudez. "É pornochanchada, mas sem o sexo explícito", diz.

O projeto foi idealizado por Diomedio Piskator, que filmou curtas no período da Boca e hoje dirige o Instituto Ozualdo Candeias, que reúne egressos do polo. Ele também filma um dos episódios, com Mel Lisboa numa versão moderna das musas do período.

DISTRIBUIÇÃO

A equipe do filme, que deve ser finalizado após o Carnaval, já tem uma distribuidora em vista, a Polifilmes, mas ainda não fechou contrato.

"Não sei se tem viabilidade para o cinema, mas pode ser vendido para TV ou em DVD", diz Luiz Câmara, diretor comercial da distribuidora.

Francisco Cavalcanti, Sternheim, Vaz Filho e Cunha já têm um próximo longa engatado: "Quadrilátero do Pecado", que deve ser rodado neste ano e buscará financiamento via edital municipal —coisa que não acontecia com as produções autofinanciadas da Boca do Lixo.

"Naquela época, não tinha esse desgaste de lei de incentivo", diz Sternheim. "A gente ia com o roteiro de produtor em produtor, que ficavam todos no mesmo prédio."


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