Folha de S. Paulo


Islâmicas expõem em fotos visão de mundo

As mulheres do Oriente Médio, supostamente sem poder e oprimidas por trás de paredes e véus, são na realidade uma força tanto na sociedade quanto nas artes. Elas tiveram um papel importante na Primavera Árabe e continuam a tê-lo na florescente cena artística regional —especificamente na fotografia, como mostra uma exposição no Museu de Belas Artes de Boston.

No Oriente Médio, nem sempre a prática de fotografar foi algo considerado fácil ou respeitável para uma mulher. Boushra Almutawakel, nascida no Iêmen, lembra-se de que um homem certa vez lhe perguntou o que ela fazia. Quando ela respondeu que era fotógrafa, ele disse amavelmente: "É legal ter um hobby". Ela ficou nervosa com sua primeira exposição, em parte porque a mostra incluía fotos de si mesma, mas somente mais tarde sua mãe manifestou desaprovação: "Quem mostra fotos de si mesma?".

O Irã, em particular, representa dificuldades para os fotojornalistas, tanto homens como mulheres. A iraniana Shadi Ghadirian disse em um vídeo que, no seu país, uma fotógrafa é uma traidora em potencial. Muitos colegas foram detidos e presos, e alguns nunca voltaram. Newsha Tavakolian, iraniana que fotografa para o "New York Times", disse em uma entrevista: "Nós temos uma linha vermelha". Onde ela fica? "Eu não sei. Ninguém sabe onde é." Então, encolhendo os ombros, diz: "Todo mundo sabe".

Cortesia Gohar Dashti e Museu de Belas Artes, Boston
Foto da série
Foto da série "Mulheres de Gaza", de Tanya Habjouqa

Os fotojornalistas iranianos precisam de uma permissão do Ministério da Informação para fotografar. A carteirinha de Tavakolian foi revogada mais de uma vez, até que ela finalmente passou para a fotografia de arte.

A fotografia, como outras formas de arte, prospera no Irã. Gohar Dashti, também iraniana, disse que, depois da eleição de 1997, surgiu uma centena de galerias, geralmente em apartamentos particulares.

As autoridades, disse Tavakolian, em geral não captam mensagens que os visitantes de galerias decifram facilmente. Frequentadores ocidentais podem também não perceber as mensagens. Uma série de Tavakolian retrata mulheres com olhos fechados, bocas em movimento e emoção evidente —uma performance silenciosa.

Somente o texto na parede explica que elas são cantoras profissionais e que as fotos representam um modesto protesto contra as restrições conservadoras que proíbem as mulheres de cantarem em público.

Outras imagens são ainda mais cifradas, incluindo as de Rana el Nemr mostrando mulheres de aspecto deprimido no metrô do Cairo. Ela disse que as imagens tinham como objetivo mostrar o quanto suas personagens são vulneráveis a doenças causadas pela indiferença e intolerância.

Cortesia Gohar Dashti e Museu de Belas Artes, Boston
"Sem Título n° 2", da iraniana Gohar Dashti

Uma referência recorrente é a guerra. Dashti tem imagens de um casal pendurando roupa lavada em um arame farpado e usando trajes de casamento em um carro queimado no deserto. A marroquina Lalla Essaydi tem imagens, divididas em várias partes, de uma odalisca usando joias de ouro em um quarto com azulejos dourados, o que muda radicalmente quando se nota que o ouro todo, na verdade, são cartuchos de balas.

Almutawakel, revoltada pelo fato de os árabes serem vistos como demônios no Ocidente depois do 11 de Setembro, cobriu a cabeça com uma bandeira americana, como um véu. Sua série "Mãe, Filha, Boneca" de início retrata as três figuras nos vários trajes, cores e véus disponíveis para mulheres, seguidas de várias fotos delas vestidas inteiramente de preto, sendo progressivamente cobertas até os olhos. Nessa crítica ao extremismo, Almutawakel disse que cobrir menininhas nesse grau não tem nada a ver com religião, mas com controle.

Ghadirian fotografou uma mulher usando um "hijab", que cobre a cabeça e o peito, em um cenário que evoca um estúdio do século 19, mas segurando objetos contemporâneos, como uma lata de Pepsi e um aparelho de som portátil, ambos oficialmente proibidos por muitos anos no Irã. Assim, ela reconhece as mudanças que a história traz para a vida e mesmo para a fotografia, algumas vezes em doses pequenas.

Cortesia Shirin Neshat, Tanya Habjouqa e Museu de Belas Artes, Boston
"Roja" (2012), da iraniana Shirin Neshat

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