Folha de S. Paulo


Marina Abramovic fala à Folha sobre trabalhos com Jay Z e Lady Gaga

Marina Abramovic, 67, já arrastou multidões ao MoMA, em Nova York, que esperavam horas só para ficar cara a cara com ela. Protagonizou uma ópera sobre a própria vida, conduzida pelo diretor de teatro Bob Wilson, e, em quase 50 anos de carreira, se consagrou como o maior nome da performance de todos os tempos, um mito vivo.

Mas bastou fazer um clipe com o rapper Jay Z e dar umas aulinhas de performance para Lady Gaga, que a artista sérvia radicada nos EUA virou alvo de um bombardeio de críticas, ao mesmo tempo em que conquistou novos -e jovens- seguidores.

Em São Paulo para visitar o Sesc Pompeia e o Sesc Belenzinho, onde fará mostras paralelas marcadas para março do ano que vem, com obras históricas e inéditas, Abramovic deu entrevista à Folha. Leia a seguir trechos da conversa.

*

Folha - No ano passado, você não saiu dos holofotes e ganhou projeção maior ainda ao fazer um clipe com o rapper Jay Z e se associar a Lady Gaga. Como julga a repercussão midiática de tudo isso?
Marina Abramovic - Fui criticada até a morte por causa dessa história. Mas é muito interessante que as pessoas não vejam o lado maior disso. Só pensam que eu sou uma vendida, que agora estou lá só passeando com os rappers, com as estrelas do pop.

Não veem minhas razões para fazer isso. A Lady Gaga tem 43 milhões de seguidores no Twitter. É algo gigantesco, nenhum artista visual tem esse público. Ela tinha estudado minha obra, queria conhecer meus métodos.

Levei a Lady Gaga para o meio do mato e ficamos lá aprendendo a respirar, sentar, deitar. Ela é uma ótima aluna, muito "hardcore". E é um exemplo para crianças, adolescentes ainda perdidos.

E, agora que ela entrou no meu método, não está mais usando drogas, está fazendo experimentos, esses jovens começam a me procurar no Google, querem saber quem eu sou.

Ou seja, de uma forma indireta, consigo ser uma influência para uma geração mais nova. Isso é importante.

Todos os artistas da minha geração, que já não fazem nada porque estão meio mortos, odeiam o que estou fazendo porque não conseguem entender que tudo é possível.

Mas não acredita que as celebridades também buscam certa legitimidade automática só por estar ao seu lado?
Esses mundos, da moda e da música pop, podem ser superficiais, mas por isso se tornam um terreno perfeito para mim. Posso entrar neles para plantar novas ideias e dali emergir diante de um público novo, muito além do mundo da arte, que se restringe a uma elite reduzida.

Quero ampliar o espectro, pensar em como posso influenciar alguém que é um trabalhador comum, um gari varrendo a calçada e de repente decide entrar no Sesc.

Como serão suas mostras em São Paulo no ano que vem?
Decidi fazer duas exposições. No Sesc Belenzinho vou mostrar a documentação dos meus trabalhos mais importantes, de 1968 até hoje. Haverá vídeos e fotografias.

Mas, como o Sesc Pompeia tem uma energia incrível, com pessoas indo e vindo, tomando café, lendo o jornal, a ideia é criar um lugar em que o público faça suas próprias performances.
Eles vão chegar, vão receber jalecos brancos, deixar suas coisas num armário e poderão entrar numa performance também.

Performance é uma forma muito direta de arte, não é como uma pintura na parede. É uma arte baseada no tempo, está acontecendo daquele jeito, naquela hora e, se você não prestar atenção, perdeu.

Raquel Cunha/Folhapress
Marina Abramovic posa para retrato no Sesc Belenzinho
Marina Abramovic posa para retrato no Sesc Belenzinho

Mas esse é um gênero que caiu em decadência e hoje tenta se recuperar. Como vê ações polêmicas, como a do estudante britânico que anunciou que vai perder a virgindade anal diante da plateia em Londres?
Existe arte boa e arte ruim. Não importa se ele vai mesmo perder a virgindade ali. O que importa é a energia que ele cria com esse trabalho, se isso for capaz de atingir alguma ressonância para aqueles que estão ao redor.

Suas ideias com relação ao poder da performance não mudaram depois de estrelar uma ópera, ou seja, entrar para o teatro mais tradicional?
Jamais teria pensado em fazer um espetáculo desses quando era jovem, porque eu odiava o teatro. Se você gosta de performance, não pode gostar de teatro, porque performance tem tudo a ver com realidade, enquanto o teatro é pura artificialidade.

Demorou anos para eu entender esse formato. Mas agora que já desenvolvi minha linguagem estou em paz.

Foi muito difícil trabalhar com o Bob Wilson, mas divertido. Como todas as histórias do espetáculo são muito tristes, cada vez que ensaiava, acabava chorando. E ele gritava comigo: "Você não deve chorar, isso é tudo mentira. É o público que tem de chorar".

Toda essa atenção, da ópera a Jay Z, ajudou na arrecadação de fundos para o museu da performance que você quer criar ao norte de Nova York?
Já consegui US$ 660 mil em doações na internet. Usei primeiro as redes sociais para medir o pulso das pessoas comuns. Olho a pessoa no olho durante uma hora se ela me dá US$ 5.000, então, mesmo que seja alguém na Austrália, ficamos cara a cara pelo Skype uma hora. É uma loucura.

Agora preciso de mais US$ 20 milhões para construir o museu. Fiz uma lista de 25 artistas que são verdadeiras commodities, a maioria pintores, que vende um quadro por US$ 20 milhões.
Só preciso que um deles me dê um quadro e construo tudo. O museu deve se ancorar nas redes sociais e nos artistas. E também nas estrelas do pop.


Endereço da página: