Folha de S. Paulo


Documentário de US$ 76 mil atinge reputação dos parques SeaWorld

Pode um documentário orçado em US$ 76 mil colocar na berlinda uma empresa avaliada em US$ 2,5 bilhões? A resposta é sim.

Nos EUA, a estreia de "Blackfish - Fúria Animal", dirigido por Gabriela Cowperthwaite, atingiu em cheio a reputação do SeaWorld, conjunto de 11 parques temáticos com filiais em cidades como San Diego (Califórnia), Orlando (Flórida) e San Antonio (Texas), que completarão 50 anos no dia 21 de março.

A repercussão do documentário, que vinha sendo apontado como candidato ao Oscar, levou ao menos 150 pessoas que se opõem ao confinamento de mamíferos marinhos a protestarem durante participação do SeaWorld no evento anual Rose Parede, em Los Angeles, no dia 1º de janeiro –19 ativistas foram presos. Ao menos nove artistas, entre eles o norte-americano Willie Nelson, cancelaram os shows que fariam nos parques do SeaWorld após verem o documentário. Páginas criadas no Facebook inflam o coro de vozes que pedem boicote ao parque.

Em seu site, a diretora Cowperthwaite, documentarista norte-americana e filha de brasileiros, afirma que "a ideia não era fazer algo contra o SeaWorld".

Ela usou no filme a narrativa de antigos treinadores de orcas e golfinhos para condenar os shows de cetáceos. Mas as exibições já repercutiam desde que, em 2010, a treinadora Dawn Bracheau foi arrastada, em Orlando, pela orca macho Tilikum para o fundo de um tanque e morreu diante de uma plateia estupefata.

Vídeo

No Brasil, coincidindo com o aniversário de 50 anos do SeaWorld, "Blackfish - Fúria Animal" será lançado pela Universal Pictures no dia 21 de março em DVD e Blu-ray. Internacionalmente, o SeaWorld acusa o documentário de "não dar um tratamento justo e equilibrado a um assunto complexo" e de ser "impreciso e enganoso". Produção modesta, o filme de Cowperthwaite já arrecadou US$ 2 milhões em bilheteria.

SOB NOVA DIREÇÃO

Em 2013, mesmo com uma queda inédita de 6% no número de visitantes, os parques do SeaWorld receberam 25 milhões de pessoas.

Fundada em 1964, ano em que recebeu 400.000 visitantes, a companhia SeaWorld Parks and Entertainment pertencia ao grupo cervejeiro Anheuser-Bush, fabricante da Budweiser.

Mudou de mãos depois que a belgo-brasileira AB InBev entrou em cena em 2008.

No ano seguinte, 2009, o SeaWorld foi vendido para o megagrupo investidor Blackstone, empresa de private-equity sediada em Nova York.

A Blackstone também é acionista de outros parques temáticos, como o Universal Studios de Orlando, a Legoland, os museus de cera Madame Tussaud e explora a roda-gigante London Eye.

Em 2013, a Blackstone realizou um lançamento de ações em bolsa ("IPO", na sigla em inglês) para capitalizar o SeaWorld, realizando a quantia de US$ 702 milhões.

O fechamento da receita dos megaparques referente ao ano passado é previsto em US$ 1,4 bilhão. Até 2012, a empresa tinha capital fechado e não divulgava resultados.

NOVA PERCEPÇÃO

O momento da bem-sucedida capitalização em bolsa quase coincidiu com o lançamento do documentário "Blackfish - Fúria Animal" nos EUA.

Para ativistas como o norte-americano Ric O'Barry, que treinou os golfinhos usados nos anos 1960 pela série televisiva "Flipper" –e que, depois, mudou de lado, se transformando num crítico do confinamento desses mamíferos marinhos em shows– a tragédia que ocorreu com Dawn Bracheau não é caso isolado.

Do ponto de vista das regras de captura dos cetáceos para atuarem em espetáculos, muita coisa já mudou.

O SeaWorld se diz comprometido com a proteção e a reprodução de espécies, afirma que resgata da natureza animais doentes e qualifica seus shows de educativos.

Pouco convencidos do escopo científico e ético dos parques, ativistas mais radicais como O'Barry, fundador do instituto conservacionista The Dolphin Project, clamam pelo esvaziamento imediato dos tanques com mamíferos marinhos nos EUA e no mundo todo.

No Brasil, por força da lei 7.643, de 1987, "a pena para quem molesta cetáceos em águas jurisdicionais brasileiras é de dois a cinco anos de reclusão." O Ibama pode, em tese, autorizar que animais nascidos em cativeiro participem de exibições públicas, muito embora não ocorram shows semelhantes aos do SeaWorld no país.

CONTRADIÇÕES

Peixe fora d'água, curiosamente a organização ambientalista Peta (ou Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) investiu US$ 2.273,70 no SeaWorld em 2013.

E, ao adquirir ações, passou a integrar o conselho de acionistas e a opinar criticamente na gestão da empresa.

A Peta, que participou do ato em Los Angeles no primeiro dia deste ano, tem advogado pela soltura da orca Corky, mantida em cativeiro pelo SeaWorld há 44 anos.

No seu site oficial, a Peta explica a entrada na sociedade que controla a empresa: "compramos o menor número de ações necessárias para ter o direito de participar e falar nos encontros anuais e para submeter os demais acionistas sobre mudanças de política".

Olhando em perspectiva, o lançamento do documentário "Blackfish - Fúria Animal" tem operado uma mudança de percepção na opinião pública norte-americana.

Em última análise, o filme tem levado as pessoas a refletirem o quanto organizações como aquários e zoológicos têm condições ou legitimidade para manter e exibir grandes animais selvagens, ainda que eles não sejam treinados para dar piruetas, dançar ou entreter o público com macaquices ensaiadas em troca de sardinhas mortas, como é o caso nos shows de cetáceos exibidos pelo SeaWorld.


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