Folha de S. Paulo


Personagens de 'Amor à Vida' estão sujeitos a périplo mirabolante

O personagem Ninho, vivido pelo ator Juliano Cazarré em "Amor à Vida", novela das 21h da Globo, abriu a trama como um aventureiro simpático no Peru. Hoje, é um assassino frio.

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Em sete meses de trama, caiu em um esquema de tráfico de drogas internacional, virou presidiário, ex-presidiário, paizão, sequestrou a própria filha e virou um artista plástico de sucesso nos EUA.

Este é o exemplo mais dramático das reviravoltas pelas quais estão vulneráveis os personagens da trama, que vem sendo considerada pela crítica uma obra semelhante às "mexicanas".

O público, no entanto, parece discordar. Em uma época em que ícones da TV brasileira sofrem com audiência baixa, como é o caso do "Jornal Nacional", que chegou a 21 pontos (cada ponto representa 62 mil domicílios na Grande São Paulo) no começo de dezembro, e em que discute-se a validade do formato da telenovela, embasado no mau desempenho de "Além do Horizonte", abaixo de 15 pontos, "Amor à Vida" se mantém como o programa de maior audiência da Globo.

Segundo o Ibope, a novela reina no primeiro lugar da emissora. Registra média de 37 pontos em São Paulo e 63% de share (número de televisores ligados no programa) desde a estreia até o dia 7.

Em entrevista à Folha, Walcyr Carrasco, o autor, diz que não julga a trajetória dos personagens inverossímil. "Nós todos passamos por mudanças e transformações ao longo da vida", afirma.

"Eu, por exemplo, fui um pouco Ninho, mochileiro, atravessei inclusive os Andes de mochila aos 20 anos. À medida que acumulei experiências, me transformei e hoje sou exatamente o que não queria ser na época: um sujeito comportado, com uma vida regrada, que acredita em valores, alguns muito tradicionais", afirma.

"Amor à Vida" teve recordes de audiência, como o do capítulo em que o vilão Félix é desmascarado pela família, que atingiu 43 pontos. A cena, de gritaria, suspense e embate físico, foi alongada por todo o capítulo e intercalada por outras de importância mínima, o que fez com que virasse piada na internet.

Questionado sobre a estratégia para segurar o público, Carrasco diz que "causar suspense é parte da estrutura da novela" e de romances.

"Em 'O Corcunda de Notre Dame', Victor Hugo segura a trama para dedicar longas páginas a uma descrição pormenorizada da igreja de Notre Dame de Paris", exemplifica.
Carrasco diz que não tem o que dizer sobre as críticas e que seu trabalho não é de "reflexão", mas de "criação".

"Não vejo problema nenhum em ser comparado com uma novela mexicana. Alguns adjetivos expressam o preconceito de quem escreve", diz o autor.

Em um momento reflexivo, diz que considera a modernidade e a ousadia como marcas da novela. "Tratei de temas nunca discutidos antes e criei, com muito orgulho, um personagem novo na teledramaturgia: Félix, a bicha má", afirma, sobre o papel vivido por Mateus Solano.

Segundo a movimentação de sua conta no Twitter, o que irrita o autor são notícias falsas sobre o que acontecerá a seus personagens. É hábito de Carrasco desmentir informações publicadas.

"Se alguém publica uma notícia absolutamente falsa, inventada, e eu tomo conhecimento disso, desminto na internet, por respeito ao jornalismo", diz o autor, que, além de mochileiro, atuou como repórter no passado.

Hoje, também é escritor, com mais de 60 livros publicados e cadeira na Academia Paulista de Letras. Há quem diga que pleiteia uma cadeira na ABL (Academia Brasileira de Letras).

Ele desconversa: "Eu respeito demais a ABL, por ser uma referência de seriedade intelectual no país. Grandes nome estão lá dentro, nomes que admiro há muito tempo."

Segundo Carrasco, a paixão pelos livros, que conheceu aos 11 ao ler Monteiro Lobato, transformou sua vida. Por isso, insere obras de literatura na novela -cada personagem tem um estilo e autor correspondente.

Diz que tem um projeto de livro para o ano que vem. "Mas, é claro, ele não aparecerá em novela minha. Nunca cito a mim mesmo. Seria antiético."

Pretende também escrever uma novela das 18h, como prometido antes da estreia de "Amor à Vida". "Mas também quero ir à praia e descansar, reler os clássicos como Balzac, Proust", afirma.

E da novela em si, o que podemos esperar? Walcyr não responde. Diz que não adianta nada, nunca. Mas deixa uma provocação: "Os telespectadores podem esperar um final de novela como nunca houve, garanto."


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