Folha de S. Paulo


"Criei um personagem novo: Félix, a bicha má", diz Walcyr Carrasco

O autor de "Amor à Vida", Walcyr Carrasco, estará no ar nesta semana em três horários na TV Globo: além da trama das 21h no horário nobre, outras duas de sua autoria estarão no "Vale a Pena Ver de Novo": "O Cravo e a Rosa" e "Caras e Bocas".

Personagens de "Amor à Vida" estão sujeitos a périplo mirabolante
Casal gay de 'Amor à Vida' cresce com transformação de Félix
Gays de 'Amor à Vida' ganham o público, que espera beijo entre homens no horário nobre

Leia abaixo a entrevista de Carrasco à Folha, feita por email, por solicitação do autor.

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Folha - O que uma novela tem que ter para conquistar o público?
*Carrasco - * Eu acho que a primeira condição é o autor gostar e se emocionar com o que está escrevendo. Eu sou o primeiro espectador do que escrevo. Se eu não gostar, acabou a esperança, não é? É só através da própria paixão que o autor conquista o público.

O que considera ser a marca da sua novela atual?
A modernidade e a ousadia. Nesta novela, tratei de temas nunca discutidos antes e criei, com muito orgulho, um personagem novo na teledramaturgia: Félix, a bicha má.

Seus personagens passaram por muitas mudanças ao longo da trama. O Ninho, por exemplo, teve diversas facetas na novela, desde um hippie aventureiro até um vilão, passando por um artista plástico. Por que optou por este tipo de desenvolvimento? Em algum momento temeu que os telespectadores se perdessem ou achassem as mudanças inverossímeis?
Não. Nem eu, nem os telespectadores achamos inverossímil porque nós todos passamos por mudanças e transformações ao longo da vida. Eu, por exemplo, fui um pouco Ninho, mochileiro. Atravessei inclusive os Andes de mochila aos 20 anos. À medida que acumulei experiências, me transformei e hoje sou exatamente o que não queria ser na época: um sujeito comportado, com uma vida regrada, que acreditava em valores, alguns muito tradicionais. Eu acompanhei a trajetória de muitos ninhos ao longo da vida e garanto: muitos tiveram um caminho semelhante ao do personagem, até passando por um sucesso artístico ou caindo na bandidagem. A transformação é parte da vida.

Há algo que se arrepende de ter feito na novela?
Sim, mas não vou contar.

Talvez o capítulo mais forte da novela tenha sido o da cena em que Félix foi desmascarado por César. A cena, no entanto, foi cortada por outras de menor importância, como as dos casais no motel, e exibida ao longo de todo o capítulo, o que foi muito comentado na internet. O que acha desse tipo de interferência?
Não considero isso uma interferência. Causar suspense, segurar desfechos até o fim do capítulo é parte da estrutura da novela. E, cá entre nós, dos romances em geral também. No corcunda de Notre Dame, Victor Humo segura a trama para dedicar longas páginas a uma descrição pormenorizada da Igreja de Notre Dame de Paris.

O sr. desmente muitas informações sobre a trama em seu Twitter. Fica irritado com a publicação de pistas falsas?
Eu sou jornalista de formação e sempre fiz questão de pesquisar toda notícia que publiquei ao longo de minha carreira. Hoje, sou só autor. Mas acho, do ponto de vista da respeitabilidade do jornalismo, um absurdo a criação de histórias absolutamente infundadas, sem base em qualquer informação, e apresentá-las como "furos de reportagem" ao público. Jornalismo e informação caminham juntos. Se alguém publica uma notícia absolutamente falsa, inventada, e eu tomo conhecimento disso, desminto na internet por respeito ao jornalismo em si mesmo.

E o que tem a dizer sobre as críticas de que "Amor à Vida" tem elementos de tramas mexicanas?
Sobre críticas não tenho nada a dizer. Cada um tem o direito de dizer o que pensa e se quiser escrever sobre isso esteja à vontade. Pessoalmente, meu trabalho não é de reflexão e análise de novela, mas de criação. Se eu parar para fazer uma análise crítica, deixarei de ser criador para ser crítico. Mas não vejo problema nenhum em ser comparado com uma novela mexicana. Alguns adjetivos expressam o preconceito de quem escreve.

Atualmente, fala-se em crise de formato. Para o sr., qual é o futuro da novela? O formato sofrerá alterações? Perdurará?
Tudo se transforma e continua o mesmo. A transformação, na minha opinião, é sempre fruto de uma continuidade, de uma releitura. É óbvio que com as novas mídias haverá uma diferença na formatação e estrutura dos conteúdos para televisão. Qual? Eu não sei. E qualquer afirmação a respeito é duvidosa porque estamos em pleno processo de transformação e criação de novas mídias.

Como escolhe os livros que mostra na novela? Por que resolveu inserir esse elemento na trama?
Eu sou escritor, tenho mais de 60 livros publicados, principalmente na área infantojuvenil. Acho essencial estimular a leitura neste país. Eu era um garoto do interior, quando comecei a ler Monteiro Lobato aos 11, 12 anos e me apaixonei pela leitura. Isso transformou a minha vida. A inserção de livros na novela obedece a alguns critérios: um deles é mostrar a leitura como algo integrante da vida. Então cada personagem lê o livro que aquele personagem leria. Eu tento buscar uma lógica nesse sentido. Por isso a diversidade de livros e autores citados. Também cito principalmente autores nacionais.

E a sua própria produção literária: consegue trabalhar em romances/contos ao mesmo tempo em que escreve a novela?
Não, mas tenho um projeto de livro para o ano que vem. Mas, é claro, ele não aparecerá em novela minha. Nunca cito a mim mesmo. Seria antiético.

O sr. já é membro da Academia Paulista de Letras. É verdade que o sr. gostaria de se candidatar à ABL?
Eu respeito demais a ABL, por ser uma referência de seriedade intelectual no país. Grandes nomes estão lá dentro. Nomes que admiro há muito tempo.

O que acha que vai fazer quando "Amor à Vida" terminar? Um novo livro ou uma nova novela? Pode contar um pouquinho do que vem por aí?
Eu pretendo escrever um livro e, depois, uma novela das 18h, como prometi antes da estreia de "Amor à Vida". Mas também quero ir à praia e descansar, reler os clássicos como Balzac, Proust...

Pode adiantar alguma coisa sobre o fim da novela? O que os telespectadores podem esperar?
Não adianto nada, nunca, nem durante a novela. Os telespectadores podem esperar um final de novela como nunca houve, garanto.


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