Folha de S. Paulo


Crítica: Tom Clancy faz pirotecnia, enquanto a estupidez é a protagonista de Leonard

Os prolíficos ficcionistas americanos Elmore Leonard e Tom Clancy, ambos falecidos em 2013, respectivamente com 87 e 66 anos, representam regiões opostas da poética do entretenimento.

Leonard, adepto do "menos é mais" de Ernest Hemingway, apreciava a elipse e o bom humor. Em seus romances policiais e de faroeste, sustentados por gente miúda e tramas simples, a grandiloquência operística jamais encontrou espaço.

Clancy, ao contrário, era adepto do "muito mais é melhor". Em seus thrillers políticos e de espionagem, recheados de figurões, militares, alta tecnologia e situações políticas complicadas, é o modo de vida de todo o Ocidente que está sempre em perigo, nada menos que isso.

Dan Borris/The New York Times
O escritor americano Elmore Leonard posa para foto, em Detroit (EUA), em 2012
O escritor americano Elmore Leonard posa para foto, em Detroit (EUA), em 2012

Recém-lançados no Brasil, "Raylan", de Leonard, e "Morto ou Vivo", de Clancy, deixam claras as diferentes atitudes já nos títulos — o primeiro, curto e circunspecto; o outro, mais longo e dramático— e no número de páginas: 256 e 630, nessa ordem.

ACASO

Último livro publicado por Leonard, "Raylan" (2012) traz de volta o agente federal Raylan Givens — encarnado pelo ator Timothy Olyphant na série "Justified"— e seu inseparável chapéu de caubói.

Os três novos casos que ocupam Raylan envolvem uma desajeitada quadrilha de ladrões de órgãos, o assassinato de um ex-funcionário de uma companhia mineradora e uma série de assaltos a banco realizados por três garotas alopradas.

Nesse jogo entre vilões desastrados e herói imperturbável é sempre o acaso que decide o resultado. Tudo flui muito à vontade, sem grandes reviravoltas, os incidentes se sucedendo naturalmente.

Pessoas matam e morrem sem qualquer glamour porque a mais simplória estupidez é a verdadeira protagonista do mundo ficcional de Elmore Leonard.

TERRORISMO

A calculada despretensão de "Raylan" bate, sem fazer muita força, a pirotecnia folhetinesca de "Morto ou Vivo", escrito em colaboração com um veterano da marinha norte-americana.

Lançado em 2010, o romance narra a caçada a um terrorista do Oriente Médio, cujos traços lembram fortemente Osama bin Laden.

Na vanguarda da guerra ao terror há o sonho dos republicanos mais empedernidos: uma agência secreta chamada Campus, totalmente independente do governo dos Estados Unidos.

"Morto ou Vivo" pertence à série protagonizada por Jack Ryan Jr., filho do herói de best-sellers como "Perigo Real e Imediato" e "A Soma de Todos os Medos", sucessos também no cinema.

Frente à postura afirmativa de Tom Clancy — no final, a inteligência militar nos salvará—, literariamente mais verdadeira é a postura interrogativa de Elmore Leonard: Que inteligência? Que salvação?

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

RAYLAN
AUTOR Elmore Leonard
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO George Schlesinger
QUANTO R$ 36 (256 págs.)
AVALIAÇÃO bom

MORTO OU VIVO
AUTOR Tom Clancy com Grant Blackwood
EDITORA Record
TRADUÇÃO Basílio de Souza
QUANTO R$ 60 (630 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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