Folha de S. Paulo


Exposições e livros turbinam nova febre pelo mobiliário moderno do país

É uma estrutura curvada construída com finas tiras de cinco tipos de madeira -jacarandá, roxinho, pau-marfim, imbuia e mogno- que se equilibra com delicadeza sobre três pés palito. E também virou o maior símbolo de um fenômeno de mercado.

Quando o designer Joaquim Tenreiro morreu, aos 86, em 1992, estava falido. Poucos imaginavam que sua cadeira Três Pés, criada em 1947, fosse se tornar um dos maiores clássicos do mobiliário moderno feito no país.

Alta dos preços fomenta reedição de peças clássicas

Nem que essa seria a peça mais cobiçada do design nacional. Vendida no mundo todo por até R$ 350 mil, a Três Pés vem turbinando os preços num mercado ávido por móveis de Sergio Rodrigues, Lina Bo Bardi (1914-1992), Paulo Mendes da Rocha, Geraldo de Barros (1923-1998) e Jorge Zalszupin, entre outros.

De olho na mina de ouro que se tornou o design do país, galerias e editoras mundo afora se esforçam para publicar livros e organizar mostras que saciem o gosto de novos e antigos colecionadores, começando por Tenreiro.

Esquecidos, croquis originais do artista, que foram encontrados no lixo depois de sua morte, estarão reproduzidos num livro que sai neste ano nos Estados Unidos.
"Quase não existem livros sobre design brasileiro", diz o norte-americano Zesty Meyers, que está à frente da nova publicação. "Vamos criar um grande volume sobre 15 designers do país, desde 1920 até os anos 1980."

Meyers também é dono de uma galeria em Nova York, a R 20th Century, que acaba de encerrar uma retrospectiva dedicada à obra de Tenreiro. E não está sozinho na tentativa de criar uma bibliografia sobre o design do país, que diz ser hoje uma febre global.

"Sempre comprei móveis desse período, mas hoje os preços estão uma loucura", diz o americano Gordon Veneklasen, marchand e também um dos maiores colecionadores de mobiliário moderno brasileiro. "Como nunca houve muitos livros, estão começando a entender a beleza desse design só agora."

No Brasil, uma onda de lançamentos também chega às livrarias. "Design Brasileiro de Móveis", organizado pelo marchand Marcelo Vasconcellos e pelo designer Zanini de Zanine, é uma antologia de 190 cadeiras representativas do mobiliário nacional.

"Hoje o design brasileiro entra pela porta da frente nas coleções", diz Vasconcellos. Tanto que, nos leilões da Sotheby's e da Christie's, cadeiras de Tenreiro e Bo Bardi, por exemplo, já atingem valor semelhante ao de peças do holandês Gerrit Rietveld e do italiano Gio Ponti, entre outras estrelas do design.

Em "Mobiliário no Brasil", livro premiado pelo Museu da Casa Brasileira, a professora de design e pesquisadora Maria Angélica Santi conta a história da Cimo, fábrica que foi uma das pioneiras na industrialização de móveis no país.

Santi lembra uma época anterior ao que chama de "supervalorização" -quando a "classe média podia comprar um bom produto de design".

Nesse ponto, a publicação de livros e mostras recentes -Sergio Rodrigues, autor da famosa poltrona Mole, terá mostra em Nova York nos próximos meses- joga luz sobre o fetiche em torno desses móveis que já perderam seu propósito funcional para virar obras de arte ultracaras.

"Nosso design hoje mostra coisas bonitas lá fora, mas a sociedade não tem acesso a isso", diz Santi. "É um design que não tem função social."

CADEIRA-ESCULTURA

Soraia Cals, que tem uma casa de leilões no Rio e organizou o primeiro livro sobre Tenreiro, diz que a cadeira Três Pés, por exemplo, não serve, de fato, como cadeira.

"Você nem pode se sentar, porque ela quebra", afirma. "Mais do que um mobiliário, isso é uma escultura. As pessoas compram mesmo como obra de arte. Ninguém tem coragem de se sentar em cima."

Sergio Rodrigues, que adora ser retratado sentado em suas poltronas, reconhece que a Mole, hoje usada até em cenários de TV como o do "Vídeo Show", da Globo, virou um "ícone", mesmo se foi criada para "você se atirar".

Mas se jogar na Mole, vendida hoje por até R$ 25 mil, é uma sensação para poucos.

DESIGN BRASILEIRO DE MÓVEIS
AUTORES Marcelo Vasconcellos, Zanini de Zanine
EDITORA Olhares
QUANTO R$ 59 (210 págs.)

MOBILIÁRIO NO BRASIL
AUTOR Maria Angélica Santi
EDITORA Senac
QUANTO R$ 84,90 (352 págs.)


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