Folha de S. Paulo


Crítica: Jack London merece cinturão de ouro pelas histórias de boxe

No boxe e na tourada, o que mais atrai o olhar ávido do espectador é a causalidade sádica típica das técnicas de tortura: exaustão-sangue, sangue-exaustão.

Aos ficcionistas apaixonados por boxe (Jack London, Ernest Hemingway, Norman Mailer) ou tourada (Hemingway, novamente) cabe o desafio de transformar a barbárie em arte, justificando ambas, uma pela outra.

Jack London, com as cinco histórias de boxe publicadas em revistas na primeira década do século 20 e agora reunidas em "Nocaute", merecia um cinturão de ouro.

Kako/Divulgação
Ilustração do brasileiro Kako para o conto 'A Fera do Abismo'
Ilustração do brasileiro Kako para o conto 'A Fera do Abismo'

O que ele fez pelo pugilismo poucos ficcionistas conseguiram. London transformou a simples luta num confronto épico, em que potências humanas defendem acima de tudo a honra, no sentido utópico do termo.

Inversamente, o que essa visão idealizada do boxe fez pela legitimação da classe trabalhadora também é digno de aplauso.

Os pugilistas de Jack London são, em geral, homens pobres e grosseiros que, no ringue, tornam-se semideuses incorruptíveis. Sua briga não é apenas com o adversário à sua frente, é com toda a banda podre da instituição.

Nos melhores contos do livro --"O Mexicano" e "A Fera do Abismo"--, o herói é um jovem humilde, com fibra de cavaleiro medieval. É um Galahad moderno, decidido a combater a corrupção no boxe e na comunidade.

"O Jogo" e "O Bife", à semelhança dos anteriores, trazem descrições magnetizantes: a luta é sangrenta e parece acontecer em nossa sala.

Nesses quatro contos, London inventou o suspense e a reviravolta cinematográficos que fariam o sucesso de uma fileira de filmes sobre o tema.

Já o divertido "O Benefício da Dúvida" se passa fora do ringue e investe no humor. A briga aqui é de rua, mas o tema é novamente o do herói íntegro contra a corrupção.

Difícil encontrar outro ficcionista que tenha tratado o boxe com tanta devoção e talento. O nome mais cotado é F.X. Toole, autor de uma coletânea potente.

O longa-metragem "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, saiu de uma narrativa dessa coletânea, lançada no Brasil com o mesmo título.

O otimista London e o sorumbático Toole representaram o boxe de modo diverso, mas com análoga força. Num ringue, não haveria briga entre os dois. Cada um está num plano conceitual só seu.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

NOCAUTE
AUTOR Jack London
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Sergio Flaksman
QUANTO R$ 29,90 (216 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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