Folha de S. Paulo


Crítica: Narrativa de Flávio Izhaki fragmentada em lembranças tem tom menor

"Amanhã Não Tem Ninguém" é o segundo romance do autor carioca Flávio Izhaki. Embora de tamanho mediano (200 páginas), o romance está dividido em sete partes e 69 capítulos, o que faz dele uma junção de fragmentos narrativos, os quais, por sua vez, estão distribuídos entre seis narradores-personagens de primeira pessoa.

Encaixados entre si, os fragmentos repassam por alto a história de quatro gerações de uma família brasileira de ascendência judaica, que se abre e fecha com a morte do patriarca Natan, no Rio de Janeiro.

O romance basicamente avança através das rápidas lembranças dos diversos membros da família.

Não são lembranças extraordinárias. Ao contrário, são vidas pequenas, que se resolvem relativamente mal no tom menor da rotina.

É assim com o metódico patriarca, relojoeiro por herança de família, que sofre dois AVCs, e assiste com tristeza calada ao avanço do Alzheimer da mulher, Ana.

É assim também com a filha Marlene, cujo marido sofre infarto fatal jogando tênis, e cuja única companhia passa a ser a do pai em coma, no hospital.

Seus dois filhos estão longe: Nicolas, ex-futuro brilhante cardiologista, casa e vai viver em São Paulo, onde termina como oftalmologista medíocre; Marquinhos vai servir o exército em Israel e volta em duas visitas rápidas, suficientes para evidenciar as distâncias definitivamente instaladas entre eles.

Nessa terceira geração, o livro teria a ganhar se entregasse mais a narrativa aos dois filhos de Marlene, antes de mandá-los para longe.

Ambos prometiam ou deviam algum aprofundamento psicológico, pois Nicolas desenvolve o gosto mórbido de acompanhar os enterros de seus pacientes mortos e Marquinhos vai se descobrindo gay. É mais como apelo erótico que cívico que se dispõe a fazer a guerra bem longe de sua casa.

No entanto, desgraçadamente, a personagem mais chata é a que tem direito de narrar mais nos capítulos finais: Mônica, que por 20 anos foi a mulher não judia de Nicolas. Ela pede o divórcio quando descobre num livro de autoajuda que o casamento já estava acabado.

A quarta geração é representada pelo filho deles, Patrick, um garoto de 13 anos, com tendência à obesidade, à solidão e ao comportamento repetitivo dos games.

Se fosse menos plano, o tom menor não faria mal ao livro, assim como poderia fazer bem a ele o tema dos judeus no Brasil, que já teve em Samuel Rawet um grande escritor. No entanto, a questão étnica teria de ser mais do que reiteração do estereótipo da culpa e da menção a datas do calendário religioso.

Nesses termos, não admira que o desfecho do livro venha num programa de videogame, transformado --também ele-- em lição de autoajuda sobre as fases da vida.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp).

AMANHÃ NÃO TEM NINGUÉM
AUTOR Flávio Izhaki
EDITORA Rocco
QUANTO R$28 (200 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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