Folha de S. Paulo


Obra de Cildo Meireles distorce arquitetura

Quem entra na sala primeiro pensa que as obras estão faltando. Depois, percebe que o chão está meio torto, como se tivesse levantado. Só mais tarde vê que algo estranho acontece nos cantos do espaço --afundados de leve ou saltados para fora, dão a sensação de que tudo está torcido.

"É uma espécie de reorganização do espaço a partir de alternâncias discretas", diz Cildo Meireles, artista que abre hoje a instalação no Centro Universitário Maria Antonia. "Tem uma discrição máxima. É quase imperceptível."

Na contramão de obras cada vez mais espalhafatosas que inundam o circuito, Meireles parece arquitetar aqui uma decepção, pelo menos para quem acelera pelas galerias de museu sem olhar, de fato, para os trabalhos.

Adriano Vizoni/Folhapress
Cildo Meireles na sala com alterações, como desnível no chão e cantos distorcidos, que criou no Maria Antonia, em SP
Cildo Meireles na sala com alterações, como desnível no chão e cantos distorcidos, que criou no Maria Antonia, em SP

É como se a obra exigisse certa lentidão. Tem a ver com o momento, no final dos anos 1960, em que ele começou a imaginar essas instalações que abalam a arquitetura.

"Quando eu parei para fazer isso, queria limpar minha cabeça, reduzir tudo, isolar e fixar", conta. "Sempre quis me ater ao que existia de estrutural ali, a questões de linguagem mais do que a possível leitura desses trabalhos."

Foram essas peças que deram vazão à sua produção mais politizada. Em 1969, Meireles acabara de montar, no Museu de Arte Moderna do Rio, instalações com fios estendidos entre chão e teto ou ligando duas paredes para delinear espaços virtuais.

Mas a exposição foi interditada pela polícia horas antes de abrir, e o trabalho foi desmontado. Em seu esforço para "limpar a cabeça" no auge da repressão política, o artista acabou arquitetando 126 desses espaços e estranhas salas transformadas.

Só alguns deles, como o que está agora em São Paulo, saíram do papel. E, não por acaso, esse é um dos mais secos e cerebrais de todos, sem o "viés anedótico", segundo o artista, de outras peças nessa linha em que as paredes parecem estar derretendo.

Meireles, que diz ter "ojeriza à arte panfletária", insiste numa leitura fria desses trabalhos, como exercícios formais descolados do momento de convulsão política em que foram inventados.

Mas o fato de tudo se corrigir dependendo da posição da pessoa na sala parece dizer alguma coisa. Existe um único ponto, e isso depende da altura dos olhos, em que as deformações do espaço somem e tudo parece normal.

No fundo, é uma reflexão sobre a coerção que um espaço --ou momento político-- exerce sobre as pessoas. Funciona também como elo entre as outras duas mostras agora no Maria Antonia.

De um lado estão projetos arquitetônicos do modernista Gregori Warchavchik (1896-1972). Do outro, fotos de Mauro Restiffe retratando o edifício Cícero Prado, desenhado pelo arquiteto.

Entre as duas mostras, está o espaço transformado de Meireles, uma espécie de antessala tortuosa para analisar a natureza de estruturas físicas e sociais nunca dóceis.

CILDO MEIRELES, GREGORI WARCHAVCHIK, MAURO RESTIFFE
QUANDO hoje, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 21h; sáb. e dom., das 10h às 20h; até 23/2
ONDE Centro Universitário Maria Antonia (r. Maria Antonia, 258, tel. 0/xx/11/3123-5200)
QUANTO grátis


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