Folha de S. Paulo


Aos 77, ator Bruce Dern consegue papel de protagonista em 'Nebraska'

Bruce Dern quase se atrasou para a première mundial em Cannes de "Nebraska", filme que ele espera que finalmente lhe traga reconhecimento.

No longa, dirigido por Alexander Payne, Dern faz o papel de Woody, um aposentado rabugento e quase surdo que pensa ter ficado milionário com uma loteria de apostas em corridas de cavalo. Ele parte com seu filho, representado por Will Forte, numa viagem de carro de Billings, Montana, para Lincoln, Nebraska, para buscar o prêmio inexistente.

Como Woody com a mensagem sobre ter sido o ganhador da loteria, Bruce Dern vê "Nebraska", que será lançado em todo o mundo até fevereiro, como um bilhete dourado, algo que vai lhe propiciar um improvável ápice de sua vida profissional aos 77 anos de idade.

Como ele chegou a isso foi o tema da história que ele estava narrando à imprensa em Cannes, para a consternação de seu agente de publicidade. Dern falou sobre como deu um tiro nas costas de John Wayne (em "Os Cowboys", de 1972), fez um dirigível cair no Super Bowl (em "Domingo Negro", de 1977), recebeu uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante contracenando com Jane Fonda (em "Amargo Regresso", de 1978) e trabalhou com grandes nomes, como Alfred Hitchcock. Mas ele ainda não tinha chegado na parte boa. Literalmente, a melhor: o papel que ele trabalhou 55 anos para conseguir, já que o papel principal sempre era confiado a outro ator.

"É o melhor papel que já fiz", disse Dern, que perseguiu Payne por oito anos depois de ler o roteiro de Bob Nelson. Preocupado, o agente de publicidade disse: "Bruce, temos que ir".

Minutos depois, Dern percorria o tapete vermelho com sua filha, a atriz Laura Dern, e em questão de horas ouvia uma ovação que, de acordo com seu relógio, durou exatos 11 minutos (três minutos a mais, ele se gabaria, que a ovação recebida por seu amigo Jack Nicholson quando estrelou o filme "As Confissões de Schmidt", também de Alexander Payne).

Alguns dias depois, Dern ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes.

Meses mais tarde, em um hotel em Manhattan, Dern retomou de onde tinha parado. Contou que já tinha visto "Nebraska" 17 ou 18 vezes durante a turnê de divulgação. "A Paramount receia que eu fique cansado nesta viagem. Disseram: 'Você não precisa acompanhar cada sessão do filme'. Mas eu quero ver meu time jogar! Sim, eu fico cansado, mas e daí?"

Dern não começou com o objetivo de fazer cinema. Para ele, trabalhar no rigor do Actors Studio, com Lee Strasberg e Elia Kazan, e depois no caos dos filmes B de Roger Corman foi uma forma de rebelião. Ele cresceu numa família rica de Chicago. Era neto de George Henry Dern, que foi secretário de Guerra no governo de Franklin D. Roosevelt.

Seu tio-avô foi o poeta Archibald MacLeish, e Dern cita versos dele com frequência. Adlai Stevenson e Eleanor Roosevelt foram seu padrinho e madrinha. Ele tinha que usar luvas brancas à mesa de jantar. "Tudo remete àquela mesa de jantar", conta. "Eu me sentia pequeno diante de tudo o que faziam. Não me respeitavam. Na mesa de jantar, eu tinha que levantar a mão para poder falar. "

Dern tirou seu smartphone do bolso e mostrou uma foto em preto e branco da enorme mansão de Chicago onde passou sua infância. "Você não sentiria solidão nessa casa?", perguntou.

Ávido por reconhecimento, treinou incansavelmente para ser corredor. Ainda lembra com amargura que seus pais assistiram a apenas algumas corridas. Com o tempo, aquele anseio infantil por uma plateia que o apreciasse o levou a Nova York, ao Actors Studio e, mais tarde, a Hollywood.

Desde então, ele não se calou mais. "O trabalho é essencial, mas adoro a camaradagem e o trabalho em equipe", disse.

Mas seu papel em "Nebraska" exigiu calma. Dern descreveu Woody como um retorno à impotência reprimida e inarticulada que ele sentia quando era criança. "Essa é uma parte de minha personalidade que ainda não tinha sido vista no cinema", comentou. "Se há algo que eu nunca fui em minha carreira, é quieto. Eu não queria ser Bruce. Já tinha sido Bruce, e não tinha funcionado."

Aos 70 anos de idade, enquanto Jack Nicholson e outros amigos ainda eram astros de primeira grandeza, Dern continuava a fazer papéis de avô rabugento ou velho maluco.

"Você tem medo de que sua hora não vá chegar nunca", admitiu.

Agora, porém, ele está no meio de uma corrida altamente competitiva pelo Oscar de melhor ator (nesta fase inicial da disputa, os comentários estão centrados sobre Robert Redford em "All Is Lost" e Chiwetel Ejiofor em "12 Years a Slave").

Mas Bruce Dern não está tão ansioso por ganhar um Oscar quanto está por finalmente ser levado a sério como protagonista.

"Tive sorte", comentou.

"Recebi um ótimo papel. Alguns grandes atores nunca têm essa chance."


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