Folha de S. Paulo


Grifes defendem criação com 'referências'

"Quem é o Deus que irá julgar o que é original na moda? Mudou uma cor de linha, já não é cópia", diz Alexandre Herchcovitch. "A gente sabe quem copia, mas ninguém fala sobre isso." Não falava.

A entrevista foi feita pouco antes da polêmica envolvendo as grifes Osklen e Reserva, que se acusaram de plágio na semana passada.

Acusações de plágio entre grifes reacende debate sobre o que é referência e cópia
Leia íntegra do manifesto da grife Reserva sobre cópias e criação na moda brasileira

O dono da Reserva, Rony Meisler, diz que o país tem "a sorte de ver emergir uma nova geração que não tem medo de assumir suas referências". Ele já se desculpou por plagiar, em 2007, o estillista japonês Junya Watanabe.

A palavra "referência" foi usada por todos os estilistas ouvidos pela reportagem sobre o assunto.

"Eu não copio. No começo da carreira, olhei o avesso de algumas roupas para aprender modelagem e reproduzir. Mas cópia é outra coisa", diz Reinaldo Lourenço.

Editoria de Arte/Folhapress

Sua marca homônima foi uma das apontadas pelo blog copypastefashionweek.blogspot.com como uma das copiadoras do país. Criado em 2011 e congelado em 2012, o site nunca teve a identidade do seu autor revelada.

"Pesquei a mesma referência que o [estilista austríaco] Helmut Lang usou nos anos 1980 para criar seu maiô de gato [veja fotos]", diz Lourenço.

"Tudo na moda já foi experimentado. As últimas criações 'únicas' foram as dos anos 1980, de japoneses como Rei Kawakubo. Boa parte da moda nacional mistura Commes des Garçons [grife de Kawakubo] com [a grife inglesa] Alexander McQueen. Ninguém fala, mas é óbvio."

Estilista da Triton, Karen Fuke diz ser comum em grandes marcas, como na qual trabalha, haver cobranças da chefia sobre "alinhamento" com tendências estrangeiras.

"A área comercial da AMC [grupo que detém as marcas Colcci e Triton, por exemplo] sempre vem com várias referências. Há algumas temporadas, a moda olhava para o trabalho da [estilista francesa] Isabel Marant."

A discussão vem em um momento decisivo para a moda nacional, já que, desde agosto, projetos de desfiles comprovadamente "originais", ou seja, em que não haja cópias, podem receber incentivo fiscal via Lei Rouanet.

A Osklen já disse que, no próximo ano, irá submeter um projeto ao Ministério da Cultura. Lá, uma equipe com menos de dez especialistas em moda se encarrega de analisar a originalidade das coleções enviadas.

TERRA SEM LEI

Segundo o advogado especializado em direitos autorais Luiz Fernando Plastino, em processos judiciais envolvendo grifes se analisa a essência da marca copiada para definir se houve plágio.

"Como não há legislação que especifique o que é cópia de moda no Brasil, uma série de elementos como a história da marca e os detalhes 'copiados' são levados em conta", explica Plastino.

Ele diz que, assim como nos EUA, no Brasil as estampas podem ter seu direito autoral protegido e é possível patentear tecidos. "Juridicamente, ser original não é criar a partir do zero. Se alguém desviou o olhar de algo já feito, recriou com estilo próprio, é original."


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