Folha de S. Paulo


Leia íntegra do manifesto da grife Reserva sobre cópias e criação na moda brasileira

Entendam este texto como um desabafo e como uma seta. Seta que acredito que preciso apontar pessoal e profissionalmente.

O fato é que estou de saco cheio da forma como as pessoas enxergam as ideias. As pessoas mentem para si próprias quando pregam que ideias são divinas e restritas a pessoas iluminadas, escolhidas por uma força maior.

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Porra nenhuma! Ideias são muito mais "transpiração" do que intelecto!

Repito e completo a frase de Tiger Woods para quem quiser ouvir: "Quanto mais eu treino, mais sorte e criatividade eu tenho".

E treinar nada mais é do que observar o que os outros fazem de bom e repetir o processo incansavelmente - até que ele se torne tão óbvio que você já não se esforçará tanto para conseguir fazê-lo. É como dirigir: não pensamos antes de passar a marcha ou de frear, apenas fazemos, como se nosso cérebro estivesse em piloto automático.

Por isso resolvi escrever um manifesto, resolvi formalizar e assumir o que penso sobre a cópia. Sem demagogia barata ou vaidades supérfluas, eu grito para quem quiser ouvir aquilo que de fato penso ser verdade sobre elas: os burros imitam ideias, já os "gênios" as roubam! Explicando:

  1. Eu acredito que ideias nada mais são do que novas combinações de coisas e fatos.
  2. Eu acredito que roubar ideias é genial e que copiá-las é a preguiça que as pessoas têm de misturá-las.
  3. Eu acredito que originalidade, da forma como hoje é entendida, nada mais é do que uma noção romântica e utópica dos fatos. Entendo originalidade de outra maneira.
  4. Sou um pós-modernista nato. Acredito que, sim, é mais possível criar algo de fato novo e evolutivo através da mistura de referências do que através da tentativa de começar as coisas do zero.
  5. Eu acredito que o remix assumido de ideias e referências dominará a cultura das próximas gerações. Geração esta que, graças a Deus, não terá mais vergonha de assumir suas referências. Somos falsos moralistas, porra! Que caiam nossas máscaras, que saiamos deste armário criativo em que há décadas estamos enclausurados! E isso serve para todas as áreas de negócios, de tecnologia a moda!
  6. Eu acredito que ideias complexas nada mais são do que combinações de ideias simples: para criar uma lancha, basta pegar um barco e um motor e misturá-los. Apesar de ser bastante claro para mim que isso não é simples nem tampouco fácil, é um fato.
  7. Eu acredito em John Lehrer, escritor e neurocientista americano, quando ele diz: "Sob a perspectiva do cérebro, novas ideias são apenas velhas ideias que nos vêm à mente ao mesmo tempo".

Depois do manifesto, imediatamente meu cérebro me pergunta: como então ter as melhores ideias, uma vez que tudo não passa de um remix de velhas referências?

A minha - não necessariamente a sua - resposta é a seguinte: para ter as melhores ideias, tenha acesso à maior quantidade possível de informações e referências, com a maior profundidade que for capaz de absorvê-las. Quando, como consequência, vier à mente uma ideia que seja óbvia ou "normal", ignore-a. Seja completamente avesso às ideias óbvias.

Ah!E saiba que, deste processo, a ansiedade crônica será uma consequência. Pausa para a ironia: será que é por isso que boa parte dos "gênios" terminam loucos?!

Outro dia, num brainstorming na Reserva, alguém disse que, naquele processo, toda ideia seria boa. Mentira! Toda ideia é válida, não boa.

O objetivo do brainstorming é, num primeiro momento, a quantidade de ideias, e não sua qualidade. E é óbvio que existem más ideias, muitas más ideias.

E é justamente esse o ponto fundamental para que, ao final do brainstorming, um iluminado escolhido por Deus tenha a melhor das ideias.;) Tolinho, mal sabe ele que, se não fossem as más ideias dos "não iluminados"...

Enfim, pare de babaquice! Ao invés de se cobrar sobre a quantidade de ideias que teve no mês, gaste seu tempo lendo, perguntando e conversando. Exercite a dúvida, a pergunta de fato curiosa... Quantos livros, revistas ou blogs você lê por mês? Quantas conversas com amigos ou colegas de trabalho você tem por mês de fato disposto a escutar - e não apenas a pensar no que responderá enquanto eles ainda estão no meio de suas frases?! Que porra de loucura é essa?

Os curiosos, eles sim, são os "gênios" do presente, do passado e do futuro. Gênios ou ladrões? Sei lá! Quando a curiosidade é a causa, isso pouco importa.


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