Folha de S. Paulo


'Porta-voz da vagina', feminista explora conexão entre cérebro e genitália em livro

Livreiros acharam que era um título pornográfico, uma rede o colocou na prateleira de medicina, uma outra, na de psicologia. Finalmente, foi classificado como "obra de interesse geral", conta Luiz Fernando Emediato, editor responsável pelo lançamento no Brasil de "Vagina: Uma Biografia", de Naomi Wolf (Geração Editorial).

"Como feminista e escritora, esse era um assunto sobre o qual eu teria de falar um dia, porque vivemos em uma cultura na qual as mulheres têm vergonha da vagina e não estão no controle de sua sexualidade", diz a autora em entrevista exclusiva à Folha.

Crítica: Obra respeitável vê pacote completo da vagina

Lançado ano passado nos EUA, o livro frequentou mais manchetes do que listas dos mais vendidos. A loja virtual da Apple censurou o título, trocando "vagina" por "v**a", o que causou reação de leitores e feministas.

Nicole Bengiveno/The New York Times
A escritora americana Naomi Wolf, autora de 'Vagina: Uma Biografia
A escritora americana Naomi Wolf, autora de 'Vagina: Uma Biografia'

"É perfeito, não? Meu livro é exatamente sobre isso. Se censuram essa palavra, é o desejo da mulher que se está censurando. Se as mulheres não podem falar sobre sua vagina, como podem se sentir bem quanto a ela?", diz Wolf.

Mesmo depois dessa publicidade espontânea, o livro só ficou três semanas na lista do "Los Angeles Times" e chegou apenas à 31ª posição no ranking de mais vendidos do "New York Times".

A edição brasileira chegou na semana passada, com tiragem de 8 mil exemplares, dos quais 7.200 já foram colocados nas livrarias.

A escritora de 51 anos lançou seu primeiro livro em 1991, "O Mito da Beleza" (Rocco, esgotado), que se tornou, esse sim, um best-seller.

Ali, ela evidenciava como o ideal de beleza feminina pode ser um controle social tão eficaz quanto a imagem da dona de casa. Desde então, Wolf é referência da terceira onda feminista.

A primeira onda, ocorrida no fim do século 19 e início do 20, tinha como eixo a conquista dos direitos políticos. A segunda, entre os anos 1960 e 1970, lutava pela igualdade de papéis e contra a discriminação. Nos anos 1990, feministas passaram a questionar conquistas e retrocessos do movimento desde a chamada revolução sexual.

Hoje, Wolf diz que o desejo e a sexualidade femininos ainda estão sob censura, daí a razão deste seu oitavo livro.

Nele, a autora reúne descobertas da neurociência sobre "a profunda conexão entre cérebro e vagina". Relatos da sua vida pessoal --como um problema no nervo pélvico, que foi o estopim da obra-- se misturam a interpretações de pesquisas científicas e entrevistas com pesquisadores. E com gente como o guru tântrico Mike Lousada, terapeuta psicossexual.

"A relação entre o cérebro do homem e seu pênis já está bem estabelecida, ninguém fica surpreso quando o estresse afeta a libido do homem, mas isso na ciência aplicado a mulheres é novo", diz a escritora americana.

Ariel Levy, em sua crítica ao livro na revista "The New Yorker", diz que Wolf defende o sexo como "a solução para todos os problemas e fonte de tudo" e a coloca no mesmo campo de imaginação erótica de "Cinquenta Tons de Cinza", aquele fenômeno de vendas literárias classificado como "pornô soft", cheio de fantasias sadomasoquistas para donas de casa.

Wolf discorda da comparação. E questiona o sucesso da série inventada pela inglesa E. L. James: "Seria interessante ver se 'Cinquenta Tons' seria tão popular num mundo em que as mulheres estivessem recebendo mais atenção e carinho de seus parceiros. Suspeito que elas estejam entediadas sexualmente."

FAJUTO E INFANTIL

A escritora Zoë Heller, na "The New York Review of Books", chama o livro de "fajuto" e diz que é "cheio de generalizações infantis".

Ao longo do livro o leitor descobre a "dança da deusa", série de gestos que os homens podem desempenhar ao longo do dia, não necessariamente relacionados a sexo, para "manter a chama acesa" do desejo feminino e potencializar o orgasmo delas.

Essa autoajuda para homens vai de dar flores para a parceira (rosas --nunca crisântemos ou cravos) a levá-la para dançar (como em filmes da Disney), passando pela estimulação dos mamilos.

Para a autora, o fato de muitas mulheres reclamarem do endeusamento do pênis não invalida o uso do termo "deusa" para a vagina.

"Minha pesquisa pelas culturas mostrou que as mulheres se sentem bem com sua sexualidade quando há uma ideia do divino feminino", afirma ela.

Seria um livro de autoajuda? "Fico feliz de saber que estou ajudando as mulheres. É bom se as pessoas estiverem usando o livro para ter mais prazer."


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