Folha de S. Paulo


Crítica: Prosa fluida de 'O Menino da Mala' tem heroína marcante

O crítico de literatura da revista "Publishers Weekly" ousou afirmar que Nina Borg, heroína da série de romances escritos pelas dinamarquesas Agnete Friis e Lene Kaaberbol, "é uma versão ainda mais atraente de Lisbeth Salander", heroína da trilogia "Millennium", do sueco Stieg Larsson.

Foi uma heresia. Não se comparam predadores diurnos e noturnos.

Lisbeth Salander é única e insubstituível. Nela estão aprisionadas forças concorrentes poderosas: violência e inteligência, perversidade e integridade moral. Não existe e jamais existirá outra, dentro ou fora da Escandinávia.

Mas, ao delinearem a obstinada Nina, a dupla de dinamarquesas sabia que a comparação viria. Talvez até a desejassem bastante. Não resta dúvida de que está funcionando como uma condecoração útil ao marketing.

Afinal, o sucesso mundial da trilogia "Millennium" inaugurou toda uma nova rodovia, acendendo em editores e leitores o apetite por mais jovens mulheres vingadoras, capazes de frustrar os planos abjetos de velhos tubarões endinheirados.

Nina tem muitos encantos, entre eles a inclinação quase suicida para salvar gente ameaçada, à margem do poder público.

É ela quem encontra a vergonhosa mala do título, num guarda-volumes da estação ferroviária. Dentro da mala, um menino nu e dopado, mas ainda vivo.

Em "O Menino da Mala", a prosa é elegante e fluida. Quatro histórias aparentemente desconectadas alternam-se, em capítulos curtos.

Devagar vamos percebendo a situação sórdida que liga um bem-sucedido homem de negócios, um casal do Leste Europeu, uma mãe solteira e seu filho pequeno (o menino da mala) e a protagonista.

Se a demoníaca Lisbeth é uma caçadora solitária e noturna, a angelical Nina é diurna, prefere caçar em bando. Para ela os amigos são importantes --os comuns e os secretos, da rede humanitária clandestina a que é ligada.

ALEATORIEDADE

Oficialmente, Nina é enfermeira da Cruz Vermelha, preocupa-se com o bem-estar dos imigrantes legais e ilegais. Preocupa-se também com sua vida doméstica, com o marido e os dois filhos adoráveis. Extraoficialmente, tudo se complica.

"Os Homens que Não Amavam as Mulheres", de Larsson, expõe a violência sexual contra as mulheres. "O Menino da Mala", de Agnete e Lene, acrescenta mais um elemento a essa equação: crianças.

A novidade é que foi abolida a clássica figura da mente investigativa --policial ou não-- que reúne todas as peças do quebra-cabeça.

Soltas no movimento browniano, agora são as peças que se reúnem quase por acaso, indiferentes à vontade humana.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

O MENINO DA MALA
AUTORAS Lene Kaaberbol e Agnete Friis
TRADUÇÃO Marcelo Mendes
EDITORA Arqueiro
QUANTO R$ 29,90 (256 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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