Folha de S. Paulo


Prêmio São Paulo de Literatura revela estreantes de editoras independentes

O grande vencedor do 6º Prêmio São Paulo de Literatura, anunciado em cerimônia no Museu da Língua Portuguesa, na noite de segunda (25), foi Daniel Galera, 34, que levou R$ 200 mil pelo romance "Barba Ensopada de Sangue" (Companhia das Letras), na categoria melhor livro do ano.

Mas foi na categoria livro do ano de autor estreante, pela primeira vez dividida em duas (autor com menos de 40 anos e autor com 40 anos ou mais, cada um recebendo R$ 100 mil), que saíram os resultados mais surpreendentes.

Com histórico de agraciar obras de grandes editoras (a Record levou cinco dos dez prêmios nas edições anteriores), a honraria desta vez ficou com dois autores publicados por editoras independentes, cujos livros tiveram tiragem inicial de apenas 500 exemplares, ante uma média de 3.000 exemplares do mercado editorial nacional. O romance de Galera, para comparação, saiu com 10 mil exemplares e já vendeu 20 mil --além de ter direitos comercializados para 14 países.

Davi Ribeiro/Folhapress
Paula Fábrio e Jacques Fux, vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autores estreantes
Paula Fábrio e Jacques Fux, vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autores estreantes

O matemático e escritor mineiro Jacques Fux, 36, foi premiado por "Antiterapias", publicado pela Scriptum, de Belo Horizonte --editora mais focada na poesia e que já revelou, entre outros, a poeta Ana Martins Marques, com "A Vida Submarina" (2008) e Carlos de Brito e Mello, com os contos de "O Cadáver Ri dos Seus Despojos (2007), ambos hoje autores publicados pela Companhia das Letras. Na versão digital, "Antiterapias" saiu pela KBR.

A paulista Paula Fábrio, 43, ganhou o prêmio por "Desnorteio", lançado pela Patuá. A casa paulista tem como slogan "livros são amuletos" e se apresenta como "alternativa" no mercado, "com o objetivo de publicar bons autores que ainda não encontraram espaço nas grandes editoras, mas que também não desejam pagar pela edição da própria obra".

"Minha editora é superpequenininha, embora tenha mais de 140 livros em catálogo. É uma surpresa pra lá de agradável. Isso mostra um movimento de mercado, ter dois autores estreantes de editoras pequenas aparecendo. Mostra que há trabalho muito bom que não está nas grandes editoras", disse a autora, após receber o prêmio.

BATALHA
Fux hoje tem até agente literária. Fechou com Luciana Villas-Boas depois do anúncio dos finalistas --no total, a agente carioca representa cinco dos concorrentes, sendo quatro estreantes. Paula também chegou a conversar com profissionais interessados em gerenciar sua carreira, mas ainda não fechou com nenhum.

Até chegar à final, no entanto, os dois enfrentaram "uma batalha", como define Fux. "Foram muitos silêncios, muitas não respostas. No começo é assim, todo mundo tem de tentar, tentar, tentar. Acho sensacional o prêmio agraciar dois autores de editoras pequenas, que não têm nenhuma visibilidade", diz.

Paula ofereceu "Desnorteios" a apenas duas editoras, a Patuá e outra, média. Recebeu resposta só da Patuá, mas não precisou esperar muito por isso.

"Quando tinha uns 25 anos, escrevi outro livro, de contos, e tinha tentado todas as grandes. Aí vi que não teria nenhuma chance. Passei anos sem escrever, mandando pro lixo tudo o que fazia. Quando terminei este romance, depois de três anos de escrita, resolvi tentar as menores", conta.

AUTOFICÇÃO
As duas obras têm algo da autoficção tão em voga hoje na literatura nacional. Fux conta que faz uma espécie de "brincadeira com a literatura" em "Antiterapia".

"Conto casos da minha vida, mas sempre com a literatura por trás, com muito do misticismo judaico", diz. "Sempre brinco que é uma releitura do 'Complexo de Portnoy', do Philip Roth, mas situado numa comunidade judaica pequena em Belo Horizonte nos dias de hoje".

Em "Desnorteios", Paula parte de uma história real, de seus tios, vistos pelo olhar de uma narradora de cerca de 40 anos, como ela, numa trama fragmentada, que vai dos anos 1800 aos 2000. "São três irmãos que passam a viver da mendicância, com essa narradora que vai costurando a história e fazendo reflexões", conta.

Embora seja seu primeiro romance publicado, não é seu primeiro texto premiado. Em julho, ela terminou "Ponto de Fuga", vencedor do Proac (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo), ainda inédito.

"É um relato de viagem por várias cidades. Em cada uma delas faço a resenha não acadêmica de um livro, um texto indicando um livro, inclusive de autores vivos, como Rubens Figueiredo [que venceu o Prêmio SP de 2011 por 'Passageiro do Fim do Dia']."

ACADEMIA
Fux também tem um prêmio anterior, mas por seu histórico acadêmico. Pós-doutorando em teoria literária na Unicamp e pesquisador visitante na Universidade de Harvard, ele venceu, em 2011, o Prêmio Capes de Teses por "Literatura e Matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o Oulipo" (Tradição Planalto).

A obra junta suas duas formações --o mineiro formou-se em matemática e fez mestrado em ciências da computação antes de migrar, no doutorado, para a literatura comparada.

Formada em comunicação e com experiência como livreira, Paula atualmente faz mestrado em letras na USP, com um estudo comparado entre o filme "Terra Estrangeira", de Walter Salles, e o romance "A Máquina de Fazer Espanhóis", de Valter Hugo Mãe.

Ambos fazem a avaliação de que a premiação abrirá portas e lhes permitirá continuar se dedicando aos estudos e à escrita literária. "A gente trabalha tanto e recebe tão pouco no mundo acadêmico... Com o prêmio, vai dar para respirar e continuar escrevendo", conclui Fux, que concorreu com 37 estreantes de até 40 anos na primeira fase do prêmio. Paula concorreu com 49 autores.

Outros 80, contando Daniel Galera, concorriam ao prêmio de melhor livro do ano de autor não estreante. No total, foram 187 livros inscritos e 168 habilitados a concorrer à maior premiação em valor do país. O júri final foi formado por Benjamin Abdala Junior, Cassiano Elek Machado, editor da "Ilustríssima", Margaret Alves Antunes, Ronaldo Cagiano Barbosa e Ubiratan Brasil.


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