Folha de S. Paulo


Obra em banco danifica painel desconhecido de Volpi

Quem entra na acanhada agência do Bradesco na praça Sáenz Peña, na Tijuca (zona norte do Rio), mal nota que uma de suas paredes, meio escondida pelo mobiliário e por uma divisória, tem em seus azulejos uma pintura de grandes dimensões, na qual destacam-se algumas bandeirinhas coloridas.

Longe dos olhos, num cantinho inferior, tampada por uma mesa, está a assinatura que, se vista, iluminaria imediatamente a obra: A. Volpi, acompanhada de uma data (1967) e de dois nomes, "Alabarda" e "São Paulo".

Trata-se de um painel pintado por um dos maiores artistas do país, Alfredo Volpi (1896-1988), e que, segundo o instituto responsável por sua obra, é raríssimo, desconhecido e, apesar de ter valor estimado em mais de R$ 2 milhões, estava sendo malcuidado.

Ele foi identificado por uma historiadora que, ao entrar na agência, notou que as obras recentes no local haviam afetado a visualização do painel --uma divisória instalada perpendicularmente à parede bloqueava a vista de metade da obra.

Além disso, alguns azulejos haviam sido perfurados para a instalação de sensores e tomadas. Indignada com "tamanha falta de percepção cultural, tamanho descaso com um artista tão completo", ela escreveu ao Instituto Alfredo Volpi.

"É uma temeridade. O painel foi concebido para ornamentar e para ser admirado. Com aquilo, fica impossível", diz Pedro Mastrobuono, diretor jurídico do instituto, sediado em São Paulo.

"É atribuição legal do instituto zelar pela preservação da memória e da obra artística de Alfredo Volpi. Nossa atuação visa a proteção de nosso patrimônio e uma maior fruição cultural."

Procurado pela Folha, o Bradesco afirmou, via assessoria de imprensa, que "não procede a informação que a reforma na agência danificou a obra. Todos os cuidados necessários estão sendo tomados para a preservação do painel."

Segundo o banco, "após o término da reforma, o Bradesco vai colocar no local uma placa identificando os dados da obra e do artista."

O pior dano causado ao painel foi a abertura de uma porta no meio da parede azulejada --ela fica na metade escondida pela divisória.

Segundo o Bradesco, tal intervenção já existia quando o o imóvel em que fica a agência foi alugado, há dez anos; o banco não informou quem é o proprietário do local.

OBRA RARA

"Em todos os esforços de catalogação da obra do Volpi feitos até hoje, não se tem notícia de um painel como esse. Ele é gigantesco e parece ter sido feito sob medida para aquela parede, que tem uma curva", diz Mastrobuono.

Segundo o advogado, a única referência que o Instituto Volpi tinha do painel era um estudo realizado pelo artista em meados da década de 1960, e que foi exposto na Pinacoteca de São Paulo em 1993, como parte de uma mostra dedicada ao artista ítalo-brasileiro.

A raridade do painel está associada não apenas a sua dimensão e seu formato pouco usual, mas ao fato de ser uma das poucas obras feita por Volpi em azulejos após sua participação na Osirarte, empresa de azulejaria criada em 1940 e na qual ele trabalhou até o início dos anos 1950.

"O maior painel dele que se conhecia da época da Osirarte tinha 180, 200 azulejos. Esse painel certamente tem mais de 600. Um só azulejo do Volpi está na faixa de R$ 3.000 a R$ 5.000, o que significa que essa obra talvez valha até mais do que o imóvel onde ela foi instalada", avalia Mastrobuono.


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